Consumocentrismo

Rafael era um pai de família dedicado, trabalhador e há quinze anos comprou seu primeiro Televisor. Um Sharp de 29 polegadas com controle remoto. Até então nunca havia questionado a qualidade da imagem e som, sua televisão supria todas sua necessidades audiovisuais cotidianas. Até que um dia aquela propaganda, no intervalo de seu programa predileto, mudou sua vida. Tratava-se do super lançamento e uma nova forma de ver televisão. Era a chegada da TV de Plasma. Rafael ficou entusiasmado, e sua velha, gorda e redonda Sharp já não proporcionava o real prazer que Rafael precisava. Ele queria uma Plasma, um aparelho mais fino, com design moderno e uma aparente imagem espetacular. Rafael foi atrás de seu novo sonho de consumo e desfez de alguns rendimentos para comprar aquela belíssima tecnologia.

O novo aparelho coube perfeitamente na estante da sala, proporcionou mais espaço e a imagem era impressionante. Rafael estava satisfeito!

Porém, poucos meses depois, como um truque desses que a vida nos dá, Rafael assistiu nessa mesma TV de Plasma, um anuncio que lhe estremeceu os olhos: A criação de uma nova forma de assistir televisão, a criação do LCD. O Incrível é que esse aparelho possuía uma imagem muito melhor do que a TV de plasma adquirida por Rafael, além de ser 30% mais fina e com um design de cair o queixo. Rafael passou a olhar sua Plasma com outros olhos. A imagem não era tão boa assim, tinham umas espécies de fantasmas na tela, além do aparelho ser pesado demais.

Decidiu investir numa LCD. Foi à loja, pesquisou preço e comprou um aparelho do mesmo tamanho da sua já descartada TV de Plasma.

Rafael enfim estava satisfeito! Tinha certeza de ter feito um bom negócio. Assistia sua programação com prazer juvenil. Até que um dia, pouco tempo depois de comprar sua fabulosa TV de LCD, Rafael foi ao inferno novamente. Numa dessas propagandas de grandes redes de lojas, onde tudo é vendido a 200 vezes sem juros e com a primeira entrada só para depois do Natal, Rafael viu que pelo mesmo valor que pagou pela LCD, poderia ter comprado um aparelho equipado com FullHD! Que imagem impressionante! Trilhões de pixels interagindo em prol de um único objetivo: A imagem perfeita! Rafael estava desconsolado. Como poderia sobreviver sem um aparelho de TV com FullHD? Era quase um desafio para ele assistir seus programas sem essa extraordinária tecnologia. Lembrou que sua mãe ainda vivia na era medieval com aquele Televisor CCE de 1990, aquela bola de cristal em forma de tubo. Nesse instante Rafael resolveu salvar sua mãe e presenteá-la com sua LCD novinha! Na verdade ele buscava uma desculpa para conseguir comprar aquele novo fenômeno tecnológico cheio de definição!

Decidido, foi até uma loja mais próxima e comprou o melhor Televisor que o homem poderia inventar: sua TV LCD FullHD. Ah, como Rafael estava feliz. Passou a assistir mais programas, durante mais tempo, tamanha a qualidade de seu aparelho. Tudo estava lindo, perfeito.

No trabalho, Rafael comenta com um colega a nova aquisição:

-Veio com Conversor Digital Integrado? Perguntou Márcio, seu colega de escritório.

-O Que??? Rafael encheu-se de raiva.

-Ihhh, esse conversor avulso custa uma nota! O jeito vai ser ficar mesmo sem ver a TV digital. Provocou Márcio.

Como a novíssima TV LCD FullHD de Rafael poderia vir sem esse tal de conversor digital integrado? Por um instante pensou ser o único ser do Planeta a não assistir televisão com qualidade Rafael estava arrasado. Em casa, olhando para a sua TV, não pensava em outra coisa a não ser a tal Imagem digital. Nem prestava mais atenção aos programas. Dava respostas evasivas a sua família, dormia mal. Seus sonhos eram repletos de artistas, atores e atrizes rindo de sua situação antidigital.

Rafael tinha que tomar uma atitude.

-Comprar outra televisão??? Gritou Cíntia, sua esposa.

-Ehhhhhhhh. Exclamaram as crianças.

Já estava decidido! Rafael iria comprar uma TV de LCD FullHD com Conversou Digital Integrado. Era o fim da era analógica em sua casa! Século 21, pensou!

Não sossegou até comprar o bendito televisor. Em todos os cômodos da casa havia televisores. Conforto da modernidade, justificava ele.

A nova TV era idêntica a antiga, a diferença era o suor escorrendo do rosto do jogador, observado em alta resolução ou os defeitos da maquiagem do apresentador do jornal matinal. Rafael se divertia com tal situação. Dessa vez ele acertara e sentia-se satisfeito como nunca.

Até que (você, caro leitor, já deve estar imaginando) Rafael teve um encontro com a mais nova tecnologia inventada pelo homem: A TV de LED! Três centímetros de espessura! A Mais alta qualidade de som e imagem. Era como se estivesse olhando ao vivo a imagem apresentada e com uma vantagem a mais, já vinha com formato FullHD e com Conversor Digital Integrado! Nada mais moderno do que uma LED.

Na propaganda, apresentada exaustivamente no horário nobre, aparecia um felizardo, esbelto, em uma ampla e moderna sala, com uma linda esposa, consumindo aquelas imagens impressionantes.

-Da grossura de um polegar! Exclamava Rafael.

Sem dúvida, sem aquele televisor sua vida não seria mais a mesma. Uma angústia mesclada com vergonha assolava Rafael. Como convencer sua esposa a aceitar uma necessidade dessas?

Foram três longas semanas de brigas e discussões, até Rafael aparecer com a tão sonhada TV de LED. Era o ápice da sua felicidade consumista! Rafael estava nas nuvens, pilotando uma espaçonave delirante. Tudo era perfeito naquela LED! Definitivamente Rafael encontrava-se feliz, até agora, pois ainda não descobriu que inventaram a TV 3D.

Essa história parece exagerada, mas ajuda a entender como o consumo não traz felicidade. Pelo contrário, cria necessidades desnecessárias, provoca angústias e ilusão, como se tudo pudesse se resolver trocando, comprando algo novo! Rafael vivera anos satisfeito com seu televisor, porém, com a criação de uma nova “necessidade”, Rafael trocou cinco vezes de televisão em poucos meses e mesmo assim não se satisfez. Somos cada vez mais reféns da tecnologia e do consumismo exagerado. Precisamos urgentemente mudar nossa forma de viver. Valorizar a amizade, a conversa, o tempo livre, a família, o cachorro. Deixar de lado essa febre que se tornou o consumo.

Para o Teocentrismo Deus é o marco central, esse pensamento durou toda a era medieval. Nesse período as pessoas eram voltadas inteiramente para a igreja, sendo proibido o uso da razão pelas mesmas. A contribuição de Galileu, São Tomás de Aquino, Newton e Descartes fizeram com que o paradigma Teocêntrico fosse quebrado, surgindo a ideia do Homem, ser dotado de razão, no centro do universo. Surgia o pensamento Antropocêntrico.

Vivemos uma nova mudança de época, onde valores essenciais são quebrados, dando lugar a futilidades e superficialismo. É uma nova quebra de paradigma. A palavra Consumocentrismo pode ser entendida como uma concepção que considera o consumo como centro das atenções.

Todos os problemas sociais possuem fortes ligações com o Consumismo exagerado. A violência tem relação com o consumo, a desigualdade social tem relação com o consumo, a degradação ambiental tem relação com o consumo.

Nossa sobrevivência está em jogo. Ou mudamos a forma de pensar ou pensamos em uma forma de mudar, pois do jeito que está só tende a piorar. Pense nisso!

 

* Daniel Jung é professor da Fatec (Faculdade de Tecnologia de São Paulo) e trabalha em disciplinas voltadas para a área de Gestão Ambiental.

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