[Episódio-1] Os impactos do descarte inadequado de óleo doméstico

A poucos dias tive a oportunidade de discutir com meus alunos, que estão em fase de preparação para o ENEM 2019, uma questão da prova de Matemática de 2010. Eis a própria:

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Fonte: INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Caderno Azul, ENEM 2010. http://portal.inep.gov.br/provas-e-gabaritos. Acessado em 03/07/2019.

Percebi o espanto dos alunos ao compreenderem a extensa quantidade de água (10 milhões de litros de água para cada 10 litros de óleo) que pode ser contaminada através do descarte inadequado do óleo de cozinha e aproveitei para expandir o problema além da Matemática, a partir de alguns dados:

  • De acordo com a Associação Brasileira para Sensibilização, Coleta e Reciclagem de Resíduos de Óleo Comestível (Ecóleo), um pouco mais de 200 milhões de litros de óleo de cozinha são descartados anualmente nos rios e lagos do Brasil, de um total de produção em óleos comestíveis em torno de 3 bilhões.
  • 30 milhões de litros de óleo doméstico são reciclados para a produção de biodiesel e outros fins. Ou seja, apenas 10% do total produzido.

Para a referida expansão, estabelecemos algumas perguntas, que serão objetos de uma série de 3 textos e nesse primeiro questiona-se:

Como o óleo descartado inadequadamente prejudica a saúde dos ambientes aquáticos?

Para responder a isso, é preciso compreender como um ambiente aquático saudável funciona em termos de interação entre os seres vivos e os fatores não vivos (abióticos), como temperatura, disponibilidade de nutrientes e a disponibilidade de luz solar, por exemplo. De modo que esse último será mais destacado, dada a sua relevância para os demais como ficará ilustrado na imagem a seguir. 

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Fonte: UFES

A luz solar serve como fonte energética para a fotossíntese nos microrganismos aquáticos chamados de fitoplâncton, os quais vivem em uma região limitada em profundidade, a zona eufótica (região de produção), que corresponde à região de máxima penetração da luz na coluna de água.

A taxa fotossintética do fitoplâncton é crucial para o ecossistema aquático, uma vez que libera oxigênio na água, importante para a respiração de peixes e outros animais, além do próprio fitoplâncton servir de base da cadeia alimentar tanto oceânica quanto de água doce. A oxigenação aquática fotossintética também tem um papel desinfectante, pois impede a reprodução de bactérias anaeróbicas, principais responsáveis pela produção de toxinas que inviabiliza o uso de corpos de água para fins humanos.

A quantidade de oxigênio na água depende, portanto, do equilíbrio entre, a taxa fotossintética (P) e a taxa de respiração dos organismos (R). No limite da zona eufótica, essas taxas se igualam (ponto de compensação fótica) o que significa que a quantidade de luz solar que chega nessa região é apenas 1% da luz na superfície da água.

A penetração da luz solar em qualquer meio, como a água, depende de algumas propriedades físico químicas e matemáticas, como descreve a Lei de Snell (Figura 2), segundo a qual a passagem de um raio de luz de um meio menos refringente (o ar por exemplo) para outro mais refringente (a água no exemplo do ambiente aquático) provoca uma redução da velocidade da luz, e o processo de denomina refração.

Refringência (ou índice de refração, n) é uma propriedade de materiais translúcidos, ou seja, aqueles que permitem parcialmente a passagem de luz em função de sua densidade, quanto maior a densidade de uma água com lama, por exemplo, mais refringente se torna o meio, e cada vez menos luz penetrará na coluna de água. De acordo com a lei de Snelll existe um limite no ângulo de incidência dos raios luminosos para que haja refração, a partir do qual há reflexão da luz de volta para o ar.

Lei de Snell

Quando temos um corpo de água contaminado por óleo doméstico por exemplo, por ser menos denso, o óleo forma uma interface com a água de modo sempre a ocupar a parte superior dessa interface (Figura 3). Logo, a camada oleosa interfere na refração da luz para a água, já que a refringência do óleo, mais denso, é superior à refringência da água. Em consequência, a maior parte da luz é refletida de volta para o ar, ou seja, uma menor quantidade de luz estará disponível para a fotossíntese naquele ambiente aquático, diminuindo a oxigenação da água, a reprodução do fitoplâncton e consequentemente ameaçando todos os animais da cadeia alimentar.

Dessa forma, o descarte inadequado de óleo doméstico em redes de esgoto não tratados coloca em risco a biodiversidade dos ecossistemas aquáticos. Vale a pena salientar, entretanto, que não se trata apenas de um problema de saúde ambiental, mas também de saúde pública e de política econômica.

No próximo episódio:

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 “Como o óleo descartado inadequadamente prejudica a saúde humana?”

Referências:
Fundamentos de Física - Vol. 4 - Óptica e Física Moderna. David Halliday, John Resnick e Jearl Walker. Décima edição, 2016. Grupo Editorial Nacional-GEN.

Wesley Júnio Alves da Conceição

Wesley é Biofísico pela UFRJ, pesquisou sobre estratégias de modelagem e simulações moleculares aplicadas a biomoléculas relacionadas a doenças neurodegenarativas, trabalho que rendeu o reconhecimento de Honra ao Mérito pela Sociedade Latino Americana de Biofísica-LAFEBS. Atualmente, é professor das disciplinas de Química e Física para ensino médio na rede particular de Nova Serrana-MG. Contato: biofisicavivoverde@gmail.com

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