Entrevista: Prof. Paulo Regis fala sobre Direito Ambiental

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Saudações a todos. Hoje começamos com a nova coluna Direito Verde, e eu, seu colunista, antes de mais nada, devo ser apresentado. Meu nome é Paulo H. F. Tavares, sou acadêmico de Direito Pela Universidade Luterana do Brasil, resido em Canoas RS e por oito anos trabalhei no Banco da Amazônia, em diversas áreas, inclusive na análise de projetos Agropecuários que apresentavam impacto ambiental.

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Para a estréia da nova coluna, tive o prazer de ter meu convite de entrevista aceito pelo Professor Paulo Régis Rosa da Silva, o qual é Advogado, Mestre em Direito do Urbanismo e do Meio Ambiente, especialista em Ciências da Educação, e leciona há, aproximadamente, 30 anos nos cursos de graduação e pós-graduação em disciplinas de Direito Ambiental e Direito Administrativo. Trabalha na Universidade Luterana do Brasil – ULBRA (Canoas) e no Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER (Canoas e Porto Alegre), além de proferir palestras e cursos em várias Instituições de Ensino do Rio Grande do Sul e de outros Estados, principalmente sobre Direito Ambiental, é o chefe da Assessoria Jurídica da Fundação Estadual de Proteção Ambiental – FEPAM, órgão ambiental gaúcho, onde coordena uma equipe de advogados dedicados a defesa do meio ambiente e dos interesses públicos.

Assistir uma aula do Professor Paulo Régis é encontrar um verdadeiro Gentleman dedicando-se ao que realmente gosta. Sua elegância se reflete desde o vestuário até a caligrafia no quadro negro. Ao primeiro dia de aula deixa dois avisos que dificilmente qualquer aluno vá ignorar, mesmo depois de concluída a disciplina. Primeiro: “é preciso dedicação” e, o segundo, diz respeito ao celular: “por favor, peço que desliguem o celular. A campainha distrai não só aos colegas como aos senhores mesmo, além de mim, cuja a capacidade de concentração já não é tão boa. Mas, se tocar não tem problema, e se precisar atender, faça-o fora da sala, por gentileza. Mas vou logo avisando, se tocar o hino do Grêmio está reprovado de imediato.”

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Vamos à entrevista.

Direito Verde: Quando e como surgiu o Direito Ambiental?

Prof. Paulo Régis: O Direito Ambiental tem pouco mais de 35 anos no Brasil, portanto é um ramo do direito novo, se comparado com os demais ramos tradicionais do direito, como o Direito Penal, Direito Administrativo, etc.

O Direito Ambiental surge como ramo jurídico a partir da necessidade de reunir estudos para a tutela do meio ambiente. Como ele é detentor de princípios e informações que lhe dão identidade, passou a ser reconhecido como um ramo com relativa autonomia. Reconheço que a esta questão da autonomia está relacionada, apenas, com as questões acadêmicas, ou seja, não possuindo elevada importância para o efetivo exercício da tutela ambiental.

Direito Verde: Por que precisamos do Direito Ambiental?

Prof. Paulo Régis: A Constituição Federal (art. 225) estabelece que todos nós temos direitos e obrigações em relação ao meio ambiente, cujo o objeto em si é a preservação e a manutenção da qualidade de vida para as presentes e futuras gerações. Dessa forma, reconhece-se a necessidade da preservação do ambiente como uma condição intergeracional. Por que precisamos do Direito Ambiental? Para que possamos ter qualidade de vida e garanti-la para nossa geração e gerações vindouras.

Há necessidade de protegermos o meio ambiente. Esta proteção do meio ambiente não ocorre apenas por um processo de conscientização pública, fazendo-se necessário a interferência do estado para restringir e limitar a utilização dos recursos naturais, artificiais, culturais e laborais. Lamentavelmente onde não há presença do estado não haverá a efetiva proteção ambiental. Por tudo isso, é necessária a legislação, o exercício do poder de polícia ambiental – que é exercido através dos órgãos de controle ambiental – e do poder judiciário, para garantirmos a prevenção da degradação ambiental.

Reconheça-se, outrossim, como relevante a prestação jurisdicional como instrumento da tutela ambiental. Cada vez mais a sociedade vem buscando o Poder Judiciário na solução dos conflitos ambientais.

Direito Verde: Qual o campo de incidência da tutela ambiental?

Prof. Paulo Régis: Ao contrário do que se possa imaginar o Direito Ambiental não limita a proteger os recursos naturais (ar, água, solo, subsolo, fauna e flora). Ele também incide sobre o meio ambiente artificial, cultural e laboral. Aliás, forçoso é reconhecer-se que cada vez mais o homem vive nas cidades e está dependente da infra-estrutura energética, transportes, comunicações etc.

Não podemos esquecer, também, o patrimônio cultural. Este poderá ser material ou imaterial. Há obras arquitetônicas e obras de arte de grande importância, as quais refletem nossa história, devendo ser protegidas. Ademais, temos festas populares (carnaval) e religiosas (Nossa Senhora dos Navegantes e Círio de Nazaré) que constituem patrimônio cultural brasileiro. Não nos esqueçamos, da mesma forma, as manifestações culturais cuja expressão se dá pela culinária, música e vestuário.

Por derradeiro, é necessário lembrarmos que o ambiente laboral também é campo de aplicação do Direito Ambiental. É necessário protegermos o trabalhador das doenças ocupacionais provocadas pelos agentes físicos, químicos e biológicos.

Direito Verde: Com quais ramos do Direito o Direito Ambiental interage com mais freqüência?

Prof. Paulo Régis: O Direito Ambiental mantêm estreito relacionamento com o Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Internacional Público, Direito Penal e o Direito Processual (civil e penal).

Direito Verde: Juridicamente, como definir o que é ambiente? Existe alguma divisão aceita?

Prof. Paulo Régis: Há diversos conceitos na literatura não jurídica (biologia e ecologia) sobre o conceito de meio ambiente. Não obstante, a Lei 6.938/81 que instituiu no Brasil a Política Nacional do Meio Ambiente, definiu meio ambiente em seu inciso I, do art. 3º.

Direito Verde: Esses ambientes são estáticos ou interagem entre si?

Prof. Paulo Régis: A própria definição legal de meio ambiente (inc. I, do art. 3º da Lei 6.938/81) – anteriormente comentada – demonstra que deverá haver uma interação de ordem física, química e biológica. Ou seja: meio ambiente é um conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Direito Verde: O senhor pode nos dar algum exemplo da influência que o direito ambiental já exerce na proteção do meio ambiente?

Prof. Paulo Régis: Quando o poder público deseja implantar uma estrada, uma usina hidroelétrica, um distrito industrial ou uma estação de tratamento de água ou esgotamento sanitário deverá, obrigatoriamente, atender as exigências legais, submetendo seus empreendimentos aos órgãos ambientais competentes. Para obras que apresentem a potencialidade de causar significativa degradação ambiental deverão realizar o EIA/RIMA.

As atividades privadas (industriais, urbanísticas, rurais, etc.) deverão, igualmente, sujeitarem-se ao competente licenciamento ambiental.

Nesse contexto não é incomum a necessidade de interpretarmos e aplicarmos as normas ambientais. Ademais, sempre que houver uma demanda judicial, caberá aos operadores do Direito Ambiental valerem-se dos princípios, da doutrinas e dos precedentes judiciais (jurisprudência) para obter uma solução dos conflitos sejam eles administrativos ou judiciais.

Direito Verde: Quais os principais entraves burocráticos que o direito ambiental enfrenta para a sua efetiva aplicação no caso concreto?

Prof. Paulo Régis: Os problemas do Direito Ambiental não são exclusivos deste ramo jurídico. Forçoso é reconhecermos que não há falta de normas para tutela ambiental. O que enfrentamos é falta da efetividade da tutela ambiental, especialmente pela omissão do poder público.

Contudo, há de se reconhecer que a Administração Pública Ambiental ainda não foi dotada no Brasil das condições necessárias – recursos humanos, materiais e financeiros – em quantidade suficiente para atender a uma crescente demanda da sociedade.

Lamentavelmente, conforme já afirmamos anteriormente, este não é um problema exclusivo da tutela ambiental, veja-se, por exemplo, na proteção da saúde, da segurança pública e da educação, com a sociedade brasileira ainda está desamparada. Dessa forma, não é possível desconhecermos que sendo a proteção ambiental uma necessidade pública relevante ainda não mereceu receber políticas públicas adequadas para a prevenção de seus conflitos.

Direito Verde: Como o Senhor vê a aplicação do Direito Ambiental no Brasil que é um país continental e com enormes diferenças regionais?

Prof. Paulo Régis: Penso que o problema não está no Direito Ambiental, mas na efetividade da proteção ambiental. Cabe lembrarmos que o Direito Ambiental é um instrumento de que dispõe a sociedade para buscar a tutela ambiental, isto é, ele é uma ferramenta. Em um pais continental como é o nosso, é preciso fortalecermos os órgãos ambientais (administração pública ambiental) dos Municípios e dos Estados. Somente com o fortalecimento desses órgãos ambientais poderemos, efetivamente, garantir a proteção ambiental exigida pela Constituição Federal. Não acredito que a União possa solucionar todos os conflitos. Aliás, as regras de repartição constitucional de competências ambientais visam assegurar uma maior efetividade da proteção ambiental no Brasil.

Direito Verde: Quem pode cometer crime ambiental?

Prof. Paulo Régis: Qualquer pessoa física ou jurídica. Não nos esqueçamos que a moderna doutrina contempla a responsabilização dos sócios das empresas quando ocorrem danos ambientais.

Cabe gizar, também, que a Lei dos Crimes Ambientais – Lei 9.605/98 – reúne vários tipos penais, os quais poderão assegurar a proteção ambiental.

Direito Verde: Quais os tipos de punição para os crimes ambientais?

Prof. Paulo Régis: A Lei 9.605/98 prevê, além das penas restritivas de liberdade, as penas restritivas de direito, tais como: prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, suspensão total ou parcial de atividades e prestação pecuniária.

Contempla, ainda, penalidades de multa cujo valor poderá ser fixado entre o mínimo de R$ 50,00 e o máximo de R$ 50.000.000,00.

Direito Verde: Como o senhor avalia a adequação das empresas diante da legislação ambiental?

Prof. Paulo Régis: As empresas que dependem da exportação de seus produtos, especialmente para a União Européia, geralmente, estão perfeitamente adequadas às exigências ambientais. Neste quadro dever-se-á observar que não é a intervenção do estado que produz a adequação dessas empresas aos padrões ambientais, certificações verdes etc., é o próprio mercado que impõe regras. Uma empresa que não obtenha certificação em auditorias ambientais não vai garantir que seu produto possa ser comercializado em outra praça mais exigente.

Lamentavelmente este quadro é mínimo. Na maioria das empresas há necessidade da intervenção do Estado para o cumprimento da legislação ambiental. Onde não há o poder de polícia ambiental efetivo, na maioria dos casos, não haverá a proteção ambiental efetiva.

Direito Verde: Como se da o início de uma investigação sobre alguma irregularidade ambiental?

Prof. Paulo Régis: Há várias formas de iniciarmos uma investigação sobre irregularidade ambiental. Poderá ser objeto de uma representação de um cidadão, de uma ONG, de uma Autarquia Profissional ou até mesmo da imprensa as quais submeteram suas informações aos órgãos ambientais competentes ou ao Ministério Público (federal ou estadual). A partir dessa comunicação dos fatos, inicia-se a investigação, a qual poderá culminar na responsabilização dos poluidores no campo administrativo, civil ou penal.

Direito Verde: Quais as irregularidades mais comuns?

Prof. Paulo Régis: Consideramos que o exercício de atividades sem o licenciamento ambiental é a infração mais comum. O Administrado não se submete ao poder público competente para o desempenho das suas atividades. Ele descumpre padrões de emissão, implanta empreendimentos e atividades em locais inadequados etc.

Podemos arrolar: disposição inadequada de resíduos, emissão de poluentes na atmosfera e ruídos, contaminação dos recursos hídricos e a utilização da água sem limites, provando o comprometimento dos nossos mananciais, quer em qualidade, quer em quantidades.

Direito Verde: Como o senhor avalia o trabalho dos promotores públicos ambientais no Brasil como um todo?

Prof. Paulo Régis: O Ministério Público vem exercendo um excelente trabalho de proteção ambiental no Brasil.

Direito Verde: No mundo digital que vivemos hoje, o que o senhor acha de falar sobre direito ambiental em um blog?

Prof. Paulo Régis: Um dos mais importantes Princípios do Direito Ambiental é o da Educação Ambiental. Como sabemos há educação ambiental formal e não formal. Ora, qualquer iniciativa que possa contribuir para a conscientização pública (educação não formal) sobre a tutela ambiental deverá ser bem acolhida.

Penso que a penetração dos meios digitais em todas as classes da sociedade brasileira é crescente. Diante dessa constatação deveremos incrementar as ferramentas que possuam a capacidade de levar a conscientização ambiental a população e sobretudo prepará-las para uma participação ativa na defesa do meio ambiente.

Direito Verde: Qual mensagem o senhor deixa para os nossos leitores no país inteiro?

Prof. Paulo Régis: Prezados amigos, não posso olvidar que a Constituição Brasileira, embora não tenha inserido no catálogo dos Direito Fundamentais (art. 5º) o Direito ao Meio Ambiente, também o enquadrou como um direito fundamental no seu art. 225, ao garantir a sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.

Não se pode ter uma postura derrotista ou ufanista. Imperioso é que tenhamos uma visão de futuro com maior conscientização ambiental e, consequentemente, mais responsabilidades com a utilização dos bens ambientais.

Não cremos que os problemas ambientais possam ser equacionados a curto prazo!

Não obstante, pensamos que a sociedade deverá exigir da classe política a implementação de políticas públicas ambientais mais adequadas e que contemplem metas de despoluição e preservação ambiental para os próximos anos.

São necessários compromissos públicos de curto e médio prazo.

Por derradeiro, vejo com profunda tristeza, que os conflitos sociais, especialmente na saúde pública, segurança pública e meio ambiente tenham que incrementar a demanda ao Poder Judiciário Brasileiro. Respeitosamente, considero que uma sociedade que não consegue mais solucionar seus relevantes problemas sociais, entre eles os ambientais, a não ser através da judicialização dos conflitos está na concorrendo para enfraquecimento e descrédito dos demais Poderes.

Essas são algumas das nossas preocupações.

Almejamos que este Blog seja plenamente êxito e venha se constituir em mais um canal de comunicação para discussão do meio ambiente. Muito obrigado pela oportunidade. Fraternal abraço.

Gostaram da entrevista? Dúvidas, reclamações, sugestões ou qualquer outra eventualidade, mande e-mail para paulosoriani@vivoverde.com.br

7 thoughts on “Entrevista: Prof. Paulo Regis fala sobre Direito Ambiental

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  • 14 de abril de 2010 em 17:27
    Permalink

    parabéns!!!! tão bonitinho ver todo mundo falando e cuidando do nosso planeta 😀
    as pessoas que cometem crime ambiental deviam ser queimadas na fogueira! huahuahuahua
    beijooooos

  • 14 de abril de 2010 em 18:16
    Permalink

    Além de “delicado” ainda é colorado.
    Vige
    Mas a entrevista, pelo menos, foi MUITO boa.
    Parabéns e forte abraço
    Pacheco

  • 13 de abril de 2013 em 19:52
    Permalink

    Nossa, professor Paulo Régis, há quanto tempo! E que privilégio ter sido sua aluna, nos tempos da graduação lá em 1995 na ULBRA de canoas na disciplina de Direito Administrativo I e II. Vai ver que foi por isso que me interessei tanto pelo Direito Constitucional, o Público, e por derradeiro, o Ambiental. Que saudade, que vontade de poder assitir mais uma aula tua capaz de fazer a gente ficar “vidrado”, hipnotizado te ouvindo. Bem, lendo o Blog posso fazer a seguinte contribuição relativamente à pergunta realizada ao professor quanto a utilização de um espaço eletrônico para falar de Direito Ambiental. Na prática da Educação (e isto se incluí a Ambiental, formal ou informal) os meios digitais além de realidade, tornaram-se importantes ferramentas capazes de tornar efetiva esta “sensibilização” da questão ambiental e por derradeiro, a compreensão da temática por um maior número de indivíduos,criando uma rede de informações com um compartilhamento daquilo o que se compreendeu. Forte abraço!
    Denise Torres

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