Onça pintada e outros grandes mamíferos ameaçados de extinção na Mata Atlântica ganham ajuda de projeto de monitoramento
Programa é resultado de mais de 15 anos de pesquisa na região.
A Serra do Mar recebe um dos maiores monitoramentos de mamíferos de grande porte já feitos no bioma Mata Atlântica e o primeiro em larga escala realizado nessa região. O Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar tem como principal objetivo gerar dados para subsidiar planos de conservação da anta (Tapirus terrestris), da queixada (Tayassu pecari) e da onça-pintada (Panthera onca). A expectativa é que as atividades em campo comecem no ano que vem.
O diferencial do programa é o monitoramento em larga escala. São 17 mil km² de atuação nos estados de São Paulo e Paraná – uma área equivalente a 11 cidades de São Paulo –, que integram o território da Grande Reserva da Mata Atlântica, o maior remanescente contínuo de Floresta Atlântica preservada do país.
O programa é realizado pelo Instituto de Pesquisas Cananéia (IPeC) e Instituto Manacá, com apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, WWF-Brasil e banco ABN AMRO, e conta com a parceria da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), a Fundação Florestal, o Legado das Águas – Reserva Votorantim, Fazenda Elguero, o Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná (PPG ECO – UFPR) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
De acordo com o pesquisador do IPeC Roberto Fusco, responsável técnico do Programa ao lado das pesquisadoras Bianca Ingberman e Mariana Landis, o Programa surgiu da necessidade de uma agenda integrada para monitoramento e conservação de grandes mamíferos. Isso porque o resultado de 15 anos de pesquisa na região indicou que a maior presença dessas espécies está em locais mais elevados e remotos, deixando muitas áreas de floresta demograficamente vazias de grandes mamíferos, inclusive em Unidades de Conservação.
“A preocupação com a ausência desses animais é pela viabilidade a longo prazo das espécies, que já estão ameaçadas de extinção. É um sinal de alerta. Grandes mamíferos necessitam de áreas extensas para sobreviver, são extremamente vulneráveis à perda de habitat e à pressão de caça, sendo os primeiros a desaparecem. A proposta, portanto, é oferecer dados robustos e de qualidade que indiquem onde essas espécies estão, se elas estão diminuindo ou amentando e como estão ocupando o território”, explica Fusco, que é pós-doutorando na PPG ECO – UFPR e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).
O monitoramento integrado de espécies ameaçadas, e em larga escala, gera informações para planejamento de conservação e ajuda a criar estratégias mais efetivas para proteção e recuperação das populações desses animais. “A quantidade e qualidade dos dados influenciam diretamente na efetividade dessas ações, possibilitando uma visão mais ampla e integrada. Para a Grande Reserva Mata Atlântica, uma das regiões mais exuberantes e biodiversas do mundo, o Programa visa contribuir de forma significativa com dados e informações para subsidiar os planejamentos e estratégias de proteção e recuperação das populações de grandes mamíferos. Essas espécies são essenciais para o equilíbrio do ecossistema e, uma vez que a floresta esteja saudável, continuará fornecendo os serviços ecossistêmicos que garantem o bem-estar e qualidade de vida da sociedade, principalmente a disponibilidade hídrica e a regulação do clima”, complementa Bianca, doutora em Ecologia e Conservação pela UFPR e pesquisadora do IPeC.
O bom manejo e conservação de áreas naturais atrai oportunidades de benefício socioeconômico para a região. “A Serra do Mar tem grande potencial econômico. O turismo de natureza é um exemplo. Pode gerar emprego e renda, valorizando a vocação local e mantendo a floresta em pé. São planos de manejo e de conservação bem fundamentados que catalisam essas oportunidades. Além disso, essas áreas podem receber investimento de empresas para projetos de conservação, uma prática que gera reputação e que tem atraído investidores de todo o mundo. A conservação, embasada na ciência, então, se torna um negócio com benefício mútuo”, justifica Mariana, pesquisadora do Instituto Manacá e doutoranda em Ecologia Aplicada pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP).
Para o coordenador de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário, Robson Capretz, a Grande Reserva Mata Atlântica tem grande potencial para contribuir com o desenvolvimento regional baseado no turismo em áreas naturais e em negócios de impacto positivo ao meio ambiente. “Informações sobre as espécies que habitam a região e práticas efetivas de conservação são essenciais para embasar atividades turísticas responsáveis e sustentáveis, que também prezem pela proteção da natureza”, diz. “Outro ponto importante é que a presença em grande densidade dessas três espécies indica ótimo status de conservação dos habitats, já que elas são bem territorialistas e seletivas”, completa.
Frentes de ação
Para desenvolver o trabalho, o Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar atua em quatro frentes de ação: Monitoramento, com coleta de dados de maneira científica e sistemática; o Planejamento de Conservação, para apoiar os tomadores de decisão nas ações de proteção e manejo; a Sensibilização, para gerar mais conhecimento e valorização da fauna da Mata Atlântica por toda a sociedade e, por fim, a Rede de Monitoramento.
Esta frente é uma estratégia de ação multi-institucional e colaborativa, que visa integrar e fortalecer os esforços existentes de conservação na região através da articulação de diferentes atores de conservação (gestores, pesquisadores, população local, praticantes de ecoturismo, montanhistas) dentro de uma agenda comum de monitoramento e conservação de espécies ameaçadas presentes na Grande Reserva Mata Atlântica.
Nos estudos que antecederam a criação do Programa, também liderados pelo IPeC, a participação de moradores da região gerou importantes resultados. Além de contribuir no mapeamento local de ocorrência das espécies, ajudou os pesquisadores a chegarem em áreas montanhosas de difícil acesso. Foi assim que a equipe conseguiu, através de armadilhas fotográficas, registrar, em 2018, as primeiras onças-pintadas (um casal) na Serra do Mar paranaense e outro indivíduo macho no ano seguinte.
“Com a ajuda da população local, conseguimos esses registros inéditos em imagem. Esse fato mudou o status de ocupação da espécie na região, reafirmando que a Serra do Mar no Paraná – que antes do registro era considerada como não ocupada por esse animal – necessita sim de investimento em conservação e mais políticas de proteção para a onça-pintada. Com o Programa, em uma área muito maior e com mais parceiros por meio da Rede de Monitoramento, estamos confiantes de que teremos resultados tão expressivos quanto esse”, diz Fusco. O auxílio de moradores na coleta de dados faz parte do processo de ciência cidadã, importante para o engajamento da sociedade e para o entendimento de como funciona, de fato, uma pesquisa científica.
Atualmente, a Rede de Monitoramento, conta com cerca de 20 membros, que contribuirão com levantamento de dados, equipes e outros recursos. Um dos membros, Caio Pamplona, chefe do Núcleo de Gestão Integrada (NGI) Antonina-Guaraqueçaba, do ICMBio, reforça a importância da parceria. “Esse é um importante passo na proteção do maior contínuo de Mata Atlântica preservada do país. Para as espécies, é parte de um trabalho decisivo, principalmente para a onça-pintada, visto que a estimativa é de uma população de apenas 250 indivíduos, e que se nada for feito, em 60 anos podem desaparecer completamente no bioma. Integrar e distribuir esses dados em rede, será um grande diferencial para ações coordenadas e efetivas. Estamos felizes em contribuir”, finaliza.