Biofísica Ambiental: como ela influenciou as políticas ambientais no Brasil?
Provavelmente você não está familiarizado com o termo “Biofísica” e o objetivo desse texto é contextualizar o surgimento dessa moderna área científica, especialmente na pesquisa ambiental brasileira.
Entre o final do século XIX e o início do século XX, o domínio de uma nova fonte energética, a eletricidade, mudou para sempre a vida humana. A partir do uso da eletricidade, desenvolveu-se uma série de novas tecnologias: o rádio, a lâmpada e a fotografia por exemplo. Logo após vieram as descobertas dos materiais radioativos (Marie Curie, Henry Becquerel) e sua utilidade para visualizar os ossos humanos sem a necessidade cirúrgica. Em paralelo a isso, passou-se a compreender melhor a estrutura do átomo e consequentemente da matéria (Thomson, Rutherford e Bohr), o que favoreceu o surgimento de um grande número de técnicas físicas, químicas e físico-químicas para estudar a mesma. A partir da descoberta do efeito fotoelétrico por Albert Einstein, o qual explica como a energia (luz, eletricidade, radiação) interage com a matéria e altera suas propriedades, arrancando elétrons e provocando reações químicas. Logo, passou-se a aplicar muitas dessas tecnologias ao estudo da matéria viva, como a microscopia de campo claro e a eletrônica. Nascia assim, a Biofísica: uma subárea das Ciências Biológicas que se propõe a estudar a vida a partir de uma abordagem moderna interdisciplinar da Biologia com a Química, a Física, a Matemática, a Computação e a Eletrônica.
Pós segunda guerra mundial, foi criada a primeira Sociedade de Biofísica (Biophysical Society), na França. Essa organização científica recebeu jovens membros brasileiros na década de 1940, em pós-graduação na Europa. Em especial, Carlos Chagas Filho, médico pela Faculdade de Medicina da atual UFRJ e filho de Carlos Chagas, o brasileiro que mais se aproximou de um prêmio Nobel pelos trabalhos com a doença parasitária transmitida pelo inseto barbeiro. Carlos Chagas Filho retornou ao Brasil e fundou o Laboratório de Biofísica na Faculdade de Medicina, posteriormente, recebeu a incumbência do Ministério de Educação e Saúde para institucionalizar a pesquisa acadêmica através da criação do Instituto de Biofísica, em 1945.
No começo, o instituto aplicava métodos físicos à pesquisa biológica. No ensino da UFRJ, as disciplinas clássicas de biofísica, fisiologia e parasitologia estavam sob a responsabilidade da instituição. E à medida que o instituto conseguiu importar equipamentos e qualificar mão de obra com as visitas de cientistas estrangeiros, a multidisciplinaridade abordada pela biofísica francesa passou a ser possível também no Brasil, principalmente a partir da década de 1950.
Contribuições da Biofísica Ambiental no Brasil:
- Peixe elétrico como bioindicador na Amazônia:
A primeira pesquisa biofísica propriamente brasileira usou como objeto de estudo o peixe elétrico da Amazônia, o poraquê (Electrophorus electricus). Chagas Filho e a equipe do instituto conseguiram propor um modelo pioneiro de produção de eletricidade em seres vivos a partir de suas estruturas bioquímicas e celulares. Posteriormente, mostrou-se que o fenômeno da eletricidade do poraquê servia como biondicador das condições ambientais, já que o peixe não conseguia produzir descargas elétricas em condições poluidoras, como em casos de derramamento de óleo na bacia amazônica. Sobre o trabalho, Chagas Filho avaliou em sua autobiografia: “A multiplicidade de possibilidades de linhas de pesquisa que o animal oferece traz, ainda, a oportunidade de uma investigação multidisciplinar, que é o caminho mais certo para o desenvolvimento científico, infelizmente hoje perturbado pela especialização linear.”
- Medicina nuclear e monitoramento ambiental de radiação natural:
Pós segunda guerra, em conjuntura com terror provocado pelas bombas nucleares e ao mesmo tempo o potencial apresentado para o uso de fontes radioativas no tratamento de câncer, o Instituto de Biofísica serviu de porta para a implantação legal da pesquisa radioativa com finalidade medicinal, a partir da criação do Laboratório de Radioisótopos em 1953, sob gerência do Químico Eduardo Penna Franco. Muitas clínicas de Medicina Nuclear se estabeleceram a partir de alunos formados no Instituto de Biofísica, nos cursos de metodologias com radioisótopos. A partir de 1956, a Organização das Nações Unidas criou um comitê para se estudar os efeitos globais da radiação atômica, do qual Eduardo Penna Franca foi representante no Brasil. A partir disso, o Instituto de Biofísica, através do Laboratório de Radioisótopos, iniciou estudos sobre trânsito de elementos radioativos no ambiente, biota e homem em áreas de alta radioatividade natural, como em Guarapari-ES, Araxá-MG, Poços de Caldas-MG, além da avaliação pré-operacional ambiental dos arredores da usina atômica de Angra dos Reis-RJ.
- A Tragédia de Caruaru e as políticas de qualidade de águas:
Em 1996, 126 pacientes sofreram de hepatite tóxica aguda pós sessão de hemodiálise, levando à morte em torno de 60 pessoas na cidade pernambucana de Caruaru. Diante da dificuldade em determinar a causa da intoxicação, já que aparentemente a qualidade da água utilizada na hemodiálise se enquadra nos padrões de potabilidade, uma Comissão Parlamentar Investigativa (CPI) foi instaurada na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Um grupo de especialistas em qualidade de água foi levado a Caruaru para desvendar a causa da intoxicação, dentre eles, Sandra Maria Feliciano Azevedo, pesquisadora fundadora do Laboratório de Ecofisiologia e Toxicologia de Cianobactérias (em 1987), no Instituto de Biofísica. A pesquisa deste laboratório se dedicava à identificação de bioensaios de toxinas cianobactérias, dada à preocupação com o processo de eutrofização cada vez mais frequentes nos mananciais de água. Sandra implementou no Instituto de Biofísica duas técnicas biofísicas e bioquímicas (trazidas do pós-doutorado nos Estados Unidos) poderosas na identificação da microcistina e cilindrospermopsina, as principais hepatotoxinas das cianobactérias, o HPLC, High Performance Liquid Chromatography (Cromatografia líquida de alta performance), e o ELISA, Enzyme-Linked Immunosorbent Assay (Ensaio de imunoabsorção enzimático). A partir do emprego dessas técnicas em amostras de água da hemodiálise de Caruaru, além de amostras de fígado de alguns pacientes intoxicados, ficou provado que altas concentrações das referidas cianotoxinas causaram as mortes por hepatite tóxica. Essa colaboração do Instituto de Biofísica serviu de base para elaboração de novas políticas públicas no uso e tratamento de águas no Brasil e o Ministério da Saúde outorgou Honra ao Mérito à pesquisadora.
Em 2007, a UFRJ e o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho homologaram a criação do curso de Graduação em Biofísica, com o objetivo de formar profissionais totalmente voltados para a pesquisa de ponta em ciências da vida sob uma ótica científica moderna e multidisciplinar, capazes de integrarem biologia, química, física, matemática e computação em prol da profissionalização científica no Brasil.
Fontes: 1. Chagas Filho, Carlos, 1910-2000. 2. Cientistas – Brasil. Biografia. I. Azevedo, Nara. II. Fundação Oswaldo Cruz. III.Título. 2. Site do Laboratório de Ecofisiologia e Toxicologia de Cianobactérias – LETC, acessado em 02/06/2019. http://letc.biof.ufrj.br/ 3. Boletim da Acadêmico (Ano VI, nº 251) da Academia Brasileira de Ciências, em 30 de agosto de 2007. Malm, Olaf.