Indicação de confinamento #01
Os tempos são duros, é pandemia, governo despreparado, dólar nas alturas. Nós temos que nos ajudar, preservar nossa saúde, daqueles por quem nos importamos e dos que não conhecemos. Faremos o que nesse meio tempo? Vamos nos voltar para a tão perseguida cultura. Pretendo escrever minimamente sobre tudo o que me impressionar nesse período enclausurado.
O projeto de escrever falhou ano passado por diversos motivos, mas quase voltei durante as férias por causa de um filme incrível que assisti e agora pela mesma razão, finalmente, saio da inércia.
Os deuses dos algoritmos me agraciaram com uma indicação, vi que era legal, deixei em uma aba por uns dois dias, estava com cabeça cheia e sem saco para documentários e que vacilo monumental, deveria ter assistido há muito tempo: “Chico Science – Um Caranguejo Elétrico”.
Não é só pela pessoa abordada, mas pela importância desse grande movimento artístico que é o Manguebeat. O longa-metragem é um documentário dirigido por José Eduardo Miglioli e tem como foco principal o icônico Chico Science e sua influência para a criação do movimento e da banda Nação Zumbi. Foi lançado em 2016 diretamente para a TV em comemoração aos 50 anos de nascimento de Chico.
As músicas originárias deste movimento sempre estiveram dentro de casa enquanto eu crescia nos anos 90, é impossível desassociar Chico Science e Nação Zumbi da minha formação. Temos os CD’s, estão nas playlist’s, estavam nas trilhas sonoras dos espetáculos do papai, Marcelo Souza, e o grupo de teatro formado por ele e vários jovens da capital federal que encenaram “Auto da Compadecida” se chamava “Maracatu Atômico”.
Em 1997 papai nos levou para assistir o que hoje é um clássico do cinema pernambucano e nacional, o filme “Baile Perfumado”. Foi um filme que nos impressionou muito e quando voltamos para Brasília 15 dias depois (esse era o acordo familiar para as viagens entre GYN/BSB de ônibus para as visitas de fim de semana) ele já tinha a trilha sonora que continha músicas de Chico, Fred 04, entre outros, “furamos” o CD de tanto ouvir. Acho que já ficou bem claro o nosso caso de amor pelo manguebeat.
Nesse início de ano recebemos notícias tenebrosas de Recife aonde Policiais Militares acharam de bom tom proibir bandas de tocarem as músicas de Chico Science e Nação Zumbi. E o motivo todos nós sabemos, as críticas sociais presentes em suas letras são inaceitáveis para aqueles que gostam da ordem já pré-estabelecida, aonde questionar é pecado, aonde pensar diferente é desrespeito, aonde fazer uma pergunta é “querer dar o furo”.
O que diria nosso querido Science ao ver o que se passa no mundo de hoje? Completamos 23 anos de sua morte, hoje o mangue tem antenas, mas ele falaria que há ainda mais urubus ameaçando e que ainda seria necessário pegar o balaio, ir para feira para poder dormir com o bucho cheio e pensar “Que eu me organizando posso desorganizar, que eu desorganizando posso me organizar”.
Chico estava extremamente conectado com as mudanças sociais que aconteciam e que resultaram no que vemos hoje, o resgate da cultura popular ainda é uma dificuldade, o crescimento exacerbado das metrópoles, a disparidade entre as classes sociais, a fome, a violência policial, o capitalismo selvagem, o crime, os constantes ataques aos povos originários, o racismo, a marginalidade social, o morador de rua durante a pandemia.
“E quem era inocente hoje já virou bandido, pra poder comer um pedaço de pão todo fodido”
Para quem, como eu, tem essa relação com o movimento será difícil assistir o filme sem se emocionar, se você não sabe nada sobre o assunto ou se nasceu em 2000 e só ouviu o Nação Zumbi, sem o Science, assista! É só entrar no link e ser feliz.
Bora conversar nesse período de confinamento?
“E o mulambo já voou, caiu lá no calçamento, bem no sol do meio-dia
Chico Science
O carro passou por cima e o mulambo ficou lá. Mulambo eu, mulambo tu, mulambo eu, mulambo tu”
Também não vi ainda. Assistirei!
Maravilhoso muito interessante, adorei!