Gente que contribui para a preservação
Visitei muitos lugares do Acre, desde o Foz do Paraná em Rodrigues Alves, até o Icuriã nas margens do Rio Iaco na fronteira de Assis Brasil e Sena Madureira. Nessas muitas localidades conheci muitas histórias e estórias de peixes e cobra grande.
Sei o mínimo da vivência dos moradores que vivem da e para a floresta. Uma vivência que se assemelha, mas com suas dinâmicas diferenciadas, dos outros moradores da Amazônia legal.
Todos esses moradores, indígenas, extrativistas, ribeirinhos e tantos outros, contribuem de forma significativa para a preservação da floresta e com isso ajudando a contornar os efeitos das mudanças climáticas.
Bruno Pacífico
Tudo isso pode esta por um fio com as “novas” políticas ambientais adotadas por esse desgoverno.
Quando estava pensando o texto para a coluna lembrei do Xandão, um morador da Reserva Extrativista Chico Mendes e da entrevista que ele me concedeu em 2017 e que gostaria de compartilhar, para entendermos que na floresta há gente e que essa gente ajuda na preservação da natureza.
Um morador da floresta.
Alexandre Silva Maciel ou para os mais chegados, Xandão. Acreano, nascido em 1991, pai de duas meninas, ambientalista, militante partidário filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e morador da Reserva Extrativista Chico Mendes. Ele vive com os pais, Anacleto Maciel e Francisca Dias, e os irmãos no pedacinho de terra no Seringal Amapá, Colocação Itararé, no km 59 de um ramal da BR-317, entre Brasiléia e Assis Brasil.
Nascido em uma família de militantes, Xandão tem como referência o pai, Anacleto, que junto com Wilson Pinheiro e Chico Mendes, lutou como defensor da floresta e dos direitos humanos, e hoje milita ao lado dos filhos. Ainda criança, Alexandre, sem entender nada dessa luta, já acompanhava o pai nas reuniões. Com o passar do tempo foi pegando gosto pela causa.
Hoje, aos 26 anos, ele é uma liderança de sua comunidade e nacionalmente é o segundo diretor de articulação de juventude do Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS).
O jovem extrativista tem carregado em seu “lattes” uma vasta experiência Acre afora. Participou de vários congressos ao redor do Brasil com muito orgulho e zelo, como ele próprio afirma. Anota todos os detalhes e quando volta, repassa aos companheiros, por considerar que o conhecimento tem que ser compartilhado.
Xandão conta que num desses encontros nacionais conheceu a fúria de um estado não tão democrático, sentiu spray de pimenta e bomba de gás lacrimogêneo como uma lembrança para o resto da vida.
Encontrei com Alexandre no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia (STRB), Xandão estava na cidade devido o nascimento de sua segunda filha, Ester Emanuella. Em meio à poeira e ao barulho das obras do Museu Wilson Pinheiro, que funciona no mesmo local do STRB e que foi destruído completamente na alagação de 2012 do Rio Acre, Alexandre conta um pouco de sua vida.
Pergunto a ele como é viver na floresta, e logo um sorriso meia boca se abre. Talvez o sorriso deva ser pela felicidade de viver numa terra rica, mas cheia de desafios. Neste momento fica claro para mim que Xandão tem orgulho de ter seu lugar na floresta amazônica e que deixará para suas filhas, Ester, de 3 meses e Alany, de 7 meses. Para minha pergunta, ele oferece uma resposta bem certeira: “A floresta é o bem mais precioso do mundo”.
Em seguida ele fala de vitórias do movimento social e de coisas que ainda precisam melhorar nas comunidades. Sua primeira explicação começa com a educação, que em tempos passados era bastante difícil. Xandão apresenta um dado: “90% dos alunos que terminam o ensino médio não continuam os estudos”.
Seu desejo é cursar uma faculdade para ajudar sua comunidade. Alguns jovens que saem da floresta para buscar estudo entram por outros caminhos e não querem mais voltar para suas terras. Em uma das minhas várias andanças pela Reserva, estive com a chefe do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade, Cristina da Silva, e ela mencionou como é difícil fazer com que os jovens queiram permanecer na floresta, mas, mais difícil ainda é garantir a eles o acesso à educação. “Queremos dar mais oportunidades para os jovens da reserva, que ele estude e volte para ajudar sua comunidade. A Resex Chico Mendes foi criada para filhos e netos, mas quem serão os filhos e netos que a herdaram, se muitos não querem permanecer nela?”
Sobre sair da floresta, a resposta foi tão rápida quanto as batidas do martelo que aconteciam no Museu Wilson Pinheiro: “Não, jamais”! Fica claro que Xandão respeita o legado de seu pai e quer continuar lutando pelos povos da floresta ao seu lado, acreditando que “família unida jamais será vencida”. Sua semente está plantada no seringal e de lá não quer arredar o pé. Seu desejo é passar esse legado para suas filhas, o que ele manifesta deixando correr uma lágrima por trás dos óculos fundo de garrafa.