Pra nos salvar de nós

Imagem: Saberatualizado

O planeta está aquecendo, e esse fenômeno de aquecimento global é atribuído aos gases de efeito estufa, todos já ouviram falar o nome de algum destes gases, em especial o CO2, o dióxido de carbono, ou gás carbônico para os mais íntimos, é o mais famoso entre eles. Há um consenso mundial de que o ser humano possui um papel relevante no que vem se constatando em aumento dos índices de CO2 na atmosfera, e isso se deve em grande parte à nossos métodos de produção e a forma que lidamos com a natureza. Desde o invento da tecnologia moderna, principalmente após a Era Industrial e o subsequente mundo globalizado no pós guerra, se tornaram mais acessíveis e presentes no dia-a-dia.

Há uma demanda cada vez maior de necessidades de coisas que antes não era tão necessárias em nossas vidas. Somos incentivados a consumir e costumamos lidar com isso de uma maneira cada vez mais dependente de coisas que para serem feitas necessitam de muitos recursos naturais, força de trabalho e mais tecnologia. Se pra você também parece ser minimamente sensato que a solução seja diminuir essa dependência, ao invés de buscar meios para justificá-la, saiba que está no caminho correto, e o Consumo crítico para o despertar de uma sociedade mais igualitária e socioambientalmente justa é um caminho que vem sendo debatido há algum tempo.

Em um artigo publicado na Nature, que apresenta a importância da nossa ética sobre os planos de eliminar o dióxido de carbono da atmosfera, vem uma crítica que tem como base o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas publicado em 2015, especialmente no que tange as diretrizes para os formuladores de políticas públicas, que busca aconselhá-los e dar um caminho para que diminuíssem as emissões de CO2 (gás carbônico) para mitigar os impactos das mudanças climáticas, impedindo o aumento da temperatura média global.

A crítica levantada pelos autores ressaltam que a maioria das diretrizes no relatório apontam as tecnologias de emissão negativa como a solução para os problemas climáticos da nossa época, isso é capturar o CO2 da atmosfera e bombeá-lo para algum lugar na Terra em que não podemos ver, como subsolo ou no fundo do mar com uso de tecnologias avançadas. No relatório é indicado também a necessidade de melhor manejar as florestas, numa forma de compras e vendas de créditos de carbono. Ou ainda fertilizar os oceanos com ferro, para acelerar o crescimento populacional do fitoplâncton para que em seu processo fotossintetizante acumule o excedente deste gás carbônico da atmosfera na cadeia alimentar.

Porém, nessa crítica ao relatório do IPCC, Lenzi e colaboradores ressalta ainda a necessidade de ponderar tais tecnologias, pois a mesma podem modificar profundamente o uso e divisão do solo expondo fragilidades dos sistemas socioecológicos vigentes, pois ao se eliminar a capacidade natural e gratuita de um ambiente na oferta de determinados serviços ecossistêmicos, como a provisão de alimento, abastecimento de água e de manutenção da biodiversidades para criar sistemas artificiais que supram essas necessidades, não se tem a solução de problema algum, se tem gastos e investimentos que são pagos pelo trabalhador por serviços que antes eram naturais e gratuitos.

Então, a lógica de incentivo a tecnologias de emissão negativa como a solução para os problemas ambientais é controversa e expõe o perigo, que embora sejam efetivas para manter nosso padrão de desenvolvimento atual baseado no consumo, coloca em risco a natureza usando as gerações futuras como garantia.

Imagem: Asunow

Para refrescar um pouco a memória cabe aqui, antes de continuar esse debate, recordar o conceito de sustentabilidade que surgiu na Conferência de Montreal, em 1987, no documento intitulado como “Nosso Futuro Comum”, que o desenvolvimento sustentável deveria “buscar suprir as necessidades presentes sem prejudicar as futuras”.

Se não ficou claro até aqui, alcançar esse desenvolvimento requer uma mudança no sistema econômico e nos métodos de produção, que só será possível com uma postura onde a práxis seja de fato revolucionária. Isso requer uma profunda mudança nos paradigmas atuais e, por definição, nossa conduta e forma de nos relacionarmos com a natureza. Precisamos nos debruçar na ética filosófica para dissipar essa névoa por detrás das armadilhas sociais que nos fazem crer que a solução de problemas complexos virá de pensamentos simplistas e reducionistas.

Devemos buscar ativamente formas de se organizar que norteiam verdadeiramente a proteção do meio ambiente, e portanto fomente o bem-estar e a saúde social com modelos econômicos mais colaborativos do que predatórios. E, contrariando essas alternativas, pode-se notar que a tendência dos atuais Estados e governos de precificar, mediar e mitigar as desproporcionais relações de poluidor-pagador, onde, em nossa sociedade quem pode pagar mais, é quem polui mais. É a trágica tragédia dos comuns, onde o lucro é privatizado, porém os custos sempre são coletivos. Mas, para não soar alarmista demais, é interessante reconhecer os esforços globais para desenvolver formas que podem nos auxiliar no combate às emissões de gases do efeito estufa, o problema é nossa dependência crescente dessas tecnologias.

Por um lado mais técnico, ainda não temos certeza da eficiência e custo x benefício dessas apostas, pois a falta de transparência quanto sua real funcionalidade em uma escala global, e geram uma falsa expectativa em cima dessas tecnologias. Precisamos repensar em nossos modos, como por exemplo a mudança nos hábitos alimentares que incluem o excessivo consumo de carne, para buscar alternativas mais sustentáveis.

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Os problemas ambientais possuem em sua essência uma causa humana. De nada adiantaria possuir todas as ferramentas se não analisarmos profundamente a causa dos problemas ao invés de ficar mediando e delegando a solução para as gerações futuras. Falar em sustentabilidade requer falar em reduzir o consumo, incentivar o consumo crítico. Não há um “deux-ex-machina”. Nossa solução não virá do céu. A solução para todos os problemas humanos virá, em última instância, de nossas próprias relações.

Para entender melhor o longo debate sobre o assunto: Lenzi, D.; Lamb, W.F.; Hilaire, J.; Kowarsch, M.; Minx, J.C. Weigh the ethics of plans to mop up carbon dioxide. Nature, v. 561, p. 303-305, 20 de setembro de 2018. Disponível em:www.nature.com/magazine-assets/d41586-018-06695-5/d41586-018-06695-5.pdf

Gabriel Goulart

Gabriel Goulart Silva é Biólogo e Educador Ambiental, mestrando em Análise Ambiental Integrada na UNIFESP. Contato: Email - socioambiental@vivoverde.com.br

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