#Apenã – Caos climático

Imagem: Google imagens

Sou uma recente entusiasta dos podcasts, quem me segue no twitter sabe que às vezes indico alguns que gosto de acompanhar. O #Apenã eu conheci a pouco e já estou curtindo, por isto deixo aqui a minha indicação e também um episódio cheio de esperança e força, mesmo em meio ao Caos Climático que estamos vivendo.

Entrevista base: Pedro Faria, da CDP, uma organização que trabalha com transparência da informação relacionada aos impactos ambientais de grandes empresas. Ouça:

Além dele, estiveram presentes, a Bia Mizoguchi, o Vinícius Zanella, o Domingos Sávio, o Gabriel Costa Oliveira e o prof. Danilo Ovileira
Além de perguntas do Phill, do Werther e do Gabriel.

Links:
climate.nasa.gov/vital-signs/global-temperature/ 
www.cdp.net/pt

Um esboço da entrevista:

Ana Rosa: Você poderia se apresentar?

Pedro Faria: O meu nome é Pedro Faria, tenho formação como Eng.º do Ambiente e trabalho há 20 anos em áreas relacionadas com o ambiente — inicialmente ligado a questões de tecnologia e controlo poluição e posteriormente em áreas relacionadas com as alterações climáticas. Há cerca de 10 anos comecei a trabalhar na CDP — onde fui Diretor Técnico durante cerca de 9 anos e onde dou aconselhamento estratégico à equipa executiva.

AR: O que é a CDP, como nasceu essa organização? E o que motivou a criação do Carbon Disclosure Project/Projeto de Divulgação de Carbono?

PF: A CDP é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos que tem como visão uma economia que funcione tanto para as pessoas como para o planeta, que seja sustentável no longo-termo e que respeite os limites físicos do planeta. A nossa missão é focar os investidores, as empresas e as cidades na tomada de ações concretas e urgentes de forma a criar esta economia sustentável. Fazemo-lo através da medição e compreensão dos seus impactes ambientais. Trabalhamos muito nos aspectos relacionados com a transparência das empresas.

A CDP foi criada em Londres, por um grupo de amigos, que pensou que tendo em conta os riscos significativos que decorrem das alterações climáticas, não existia informação que verdadeiramente revela-se a exposição das empresas cotadas em bolsa ao risco climático — e isto em Londres, num dos principais mercados bolsistas do mundo — e nem tão pouco existia informação sobre as medidas para mitigar esses riscos. Foi assim que, este grupo inicial, resolveu estabelecer um diálogo com os investidores para perceber as suas necessidades e depois, a partir de um pequeno de investidores que os apoiaram e em seu nome, solicitar às empresa que divulgassem as suas emissões, os seus modelos de governança bem como os seus procedimentos de gestão de risco e oportunidades. E é a partir desta base que a CDP tem evoluído.

AR: O que é o CDP Carbon Majors Report 2017? Você poderia comentar sobre os relatórios desenvolvidos pela CDP?

PF: O relatório Carbon Majors é um estudo realizado em conjunto com o Climate Accountability Institute, com o Rick Heeded, em que trabalhámos com ele na atualização e expansão da sua base de dados e metodologia de cálculo. Trata-se de uma atualização de um trabalho que o Rick já tinha realizado e que deu origem ao artigo do Rick no Journal of Climatic Change — intitulado justamente “Carbon Majors”. Basicamente, este estudo tenta contabilizar as emissões de carbono implícitas nos modelos de negócio de alguns dos sectores que são responsáveis pela extração de carbono e sua introdução na economia — o setor de petróleo e gás e o sector dos cimentos, em particular. Trata-se de alguma forma de um estudo fundamental que revelou uma realidade da qual se suspeitava mas para a qual não tínhamos números — que menos de 100 empresas são responsáveis pela extracção e oferta no mercado de produtos que representam cerca de 2/3 das emissões históricas de Gases de Efeito de Estufa. Se quiser procurar um beneficiário direto por ⅔ das emissões antropogênicas de CO2, são essas 100 entidades. No nosso estudo, focamo-nos não tanto nos aspectos históricos, mas na atualização e expansão do n.º de empresas, cobrindo as suas emissões desde 1988 até 2015. Este período é muito importante porque foi a partir de 1988 que a comunidade científica reconheceu inequivocamente que as alterações climáticas eram devidas à ação humana e ao aumento das emissões de CO2. Por outro lado mais de 50% das emissões históricas de origem humana foram feitas nos últimos 30 anos — portanto, é uma responsabilidade recente e ninguém pode dizer que os efeitos eram desconhecidos.

AR: Quais os objetivos desse projeto?

PF: O objectivo último do projeto está relacionado com um dos nossos valores essenciais que é o da transparência. A CDP estava já a fazer um trabalho de estimativa de emissões por parte das empresas que não reportam ao CDP, de forma a criarmos uma base de dados bastante completa de emissões de um grande conjunto de empresas cotadas em bolsa. Foi com base nesse trabalho, que implicava também o cálculo das emissões de âmbito 3 — emissões indiretas causadas na cadeia de valor das empresas — que definimos como prioridade o cálculo das emissões implícitas dos produtos das empresas de petróleo e gás. Entretanto o trabalho do Rick foi publicado, o que nos deixou muito entusiasmados. Eu tive a oportunidade de conhecer e falar com o Rick em Lima — na COP 20 — e a partir daí começamos uma colaboração com o objectivo comum de criarmos uma base de dados, o mais completa possível, não só sobre as emissões históricas — que o Rick já tinha feito — mas também com as emissões mais recentes e com atualizações periódicas. Para a CDP, conforme expliquei, isto era importante do ponto de vista da transparência, mas também porque na altura falava-se muito na possibilidade de os investidores utilizarem este tipo de dados para a caracterização da pegada carbônica dos seus portfólios.

AR: O quanto podemos responsabilizar as empresas presentes nessa lista por suas emissões?

PF: Essa é uma excelente pergunta e para a qual há várias respostas — e com todas elas podemos argumentar e rebater. É largamente uma questão em aberto e que tem sido ativamente debatida nos últimos 4 a 5 anos.

A minha opinião pessoal é a de que há uma responsabilidade moral clara: muitas destas empresas já sabiam em 1988 que os seus produtos eram utilizados e causavam a libertação de emissões de CO2 — isto é óbvio — e que essas emissões são responsáveis pelas alterações climáticas. A maior parte das empresas optou por ignorar este desafio e, em muitos casos, optou por estratégias de desinformação relativas à ciência das alterações climáticas — principalmente, mas não exclusivamente, nos EUA. Esta responsabilidade moral parece-me inequívoca e muitas ordens de grandeza superior à responsabilidade moral do cidadão comum que utiliza esses produtos. Porque não vale a pena disfarçar — todos nós que estamos inseridos na atual economia de mercado — somos utilizadores finais de produtos que libertam CO2 e emissores finais de CO2. Mas fazemo-lo muitas vezes inconscientemente e sem ter verdadeiramente alternativas — a não ser o não consumo que também é uma poderosa alternativa. É uma questão da estrutura da economia. Ora essa estrutura da economia, são as empresa e os governos que estão melhor habilitados para garantir essa mudança — mas nem uns nem outros estiveram interessados nisso.

Existe depois a responsabilidade social. Aqui, muitas empresas têm procurado a justificação do “business as usual” com a defesa de que à uma responsabilidade social de fornecer energia à atual sociedade — a qual é extremamente dependente dela. Nomeadamente, algumas empresas tinham painéis publicitários e linhas de argumentação em torno da questão do desenvolvimento humano, o qual, nos modelos atuais, está mais uma vez extremamente dependente de energia. Esta narrativa é justificada, pela responsabilidade social e moral, de retirar vastas quantidades de pessoas da pobreza através do desenvolvimento econômico e social. É verdade que, esta narrativa que teve algum suporte teórico em argumentos acadêmicos como as curvas de Kuznets — isto é o desenvolvimento econômico até um certo ponto degrada as condições ambientais, mas depois de atingidos determinados patamares, há um movimento contrário de reabilitação do meio ambiente em consequência do desenvolvimento gerado. Mas a realidade é que estas relações nem sempre se verificam e não é sempre necessário degradar o ambiente para o depois o defender. É uma questão do modelo de desenvolvimento e este tem que ser alterado. O modelo de desenvolvimento econômico assente no contínuo crescimento econômico e exploração de energias fósseis colide diretamente com um planeta que tem limites físicos. Além de que as questões da distribuição equitativa dos proveitos desse desenvolvimento não é, na maioria das vezes, assegurado. Portanto esta narrativa da indispensabilidade dos combustíveis fósseis motivada por uma responsabilidade social de desenvolvimento econômico parece-me irreal. Principalmente, se considerarmos que os efeitos das alterações climáticas já se fazem sentir, afetam principalmente as populações mais vulneráveis e causam níveis de dano e destruição que são verdadeiros bloqueios ao desenvolvimento destruindo frequentemente infraestruturas e níveis de serviço que demoraram décadas a serem alcançados. Veja-se por exemplo a situação em Moçambique que é altamente preocupante.

A Responsabilidade Fiduciária é também frequentemente é falada a este respeito: as empresas cotadas e as equipes que as gerem têm uma responsabilidade fiduciária relativa à proteção dos interesses dos investidores e das empresa. Esta perspectiva é normalmente assumida numa perspectiva primeiro, muito restrita — de maximização do retorno financeiro dos investidores — e segundo privilegiando o curto prazo em detrimento do longo prazo podendo ser um fator de bloqueio de ação por parte das empresas. Desbloquear esta percepção da responsabilidade fiduciária para que tenha em conta valores mais abrangentes — por exemplo, considerar não só os investidores, como os trabalhadores ou até as comunidades em que se inserem — e tendo em conta a perspectiva de longo prazo ou até muito longo prazo, é essencial. Isto é amplamente reconhecido, mas não é universalmente aplicado. Há valores em tensão e são muitas vezes os próprios investidores que empurram as empresas para perspectivas de curto prazo e totalmente focadas no retorno imediato do investimento.

Pode ainda existir responsabilidade Civil, isto é, a obrigação de reparar o dano que uma pessoa causa a outra. É certamente na procura de averiguar estas responsabilidades que várias ONGs e comunidades recentemente têm instruídos processos em tribunal procurando ver-se ressarcidas por determinadas empresas que são grandes emissoras de CO2 e contribuíram no passado com grandes quantidade de CO2 de danos incorridos devido às alterações climáticas. Existem vários desafios com esta abordagem, entre as quais a questão de ligar e atribuir determinados eventos às alterações climáticas.

Finalmente, pode existir uma responsabilidade Criminal a qual também tem de ser interpretada à luz do quadro jurídico nacional e internacional e se pode revelar altamente complexa. Algumas ações legais e investigações estão a ser enquadradas sob o ponto de vista do direito internacional e dos direitos humanos — como é o caso da Comissão de Direitos Humanos nas Filipinas que está a considerar se as empresas de petróleo e gás desempenharam um papel na violação de direitos humanos dos cidadãos filipinos ao contribuírem conscientemente com vastas quantidades de emissões e as alterações climáticas.

Mas, mais uma vez, todas estas formas de responsabilidade constituem um debate ativo, não só entre ONG’s, mas também entre governos, empresas e cidadãos.

AR: O que é preciso ser feito para essas empresas reduzirem suas emissões?

PF: Em particular nas empresas de Carvão, Petróleo e Gás, as suas emissões dividem-se genericamente em duas grandes porções: as emissões diretas, isto é emissões que ocorrem resultantes das operações da empresa e que representam mais ou menos 10%; e as emissões indiretas, isto é as emissões que ocorrem decorrentes da utilização dos seus produtos e que representam mais ou menos 90% das emissões diretas e indiretas. Fica pois claro que qualquer ação com vista à redução das emissões totais das empresas passa ou pela alteração do produto dessa empresa; ou pela redução da quantidade de produto; ou ambas as coisas. Ora como facilmente se entende, estas empresas são definidas pelos seus produtos ‘ Petróleo e gás. O que já algumas empresas estão a fazer é re-definirem-se como empresas em que o produto não é petróleo e gás, mas sim energia. Neste quadro existem muitas ações que podem ser feitas. Algumas passam por descontinuar os investimentos nas atividades de pesquisa de petróleo e gás e focar os investimentos em atividades de produção de energias renováveis; ou passa por atividades focadas na pesquisa e desenvolvimento de outras alternativas; ou a possibilidade de captura e sequestro de carbono, que seria uma forma de compensar as emissões dos seus produtos; existem outras possibilidades, mas todas elas passam de alguma forma pela reconversão da atividade das empresas. Devido aos limites que o orçamento de carbono impõe, há um limite para a quantidade de carbono que pode ser extraído sobre a forma de carvão, petróleo e gás. Se as empresas não quiserem assumir a necessidade da transição no seu modelo de negócio e produto, então têm que fazer face à possibilidade do seu encerramento — da cessação da atividade. Acredito que não há muitas outras formas consequentes de dar a volta a este desafio.

AR: Como se deve lidar com empresas se elas não reduzirem rapidamente suas emissões? Boicote, deixar de investir ou qualquer outra coisa?

PF: Boa pergunta. Há muitas coisas que podemos fazer para contribuir — até do ponto de vista estrutural — para a mudança necessária. Desde já procurando reduzir o nosso próprio consumo — se podermos evitar ter automóvel; ou utilizá-lo o menos possível; e privilegiar, se tivermos que ter automóvel, a mobilidade eléctrica. Mas também melhorar as nossas casas do ponto de vista da eficiência energética — e em particular as necessidades de aquecimento o qual é muitas vezes feito com petróleo e gás. Por exemplo podemos adotar pelo aquecimento através de geotermia a qual é não só muitíssimo mais eficiente, como também utiliza a energia eléctrica e portanto, pode ser mais limpa. Ao escolhermos o nosso fornecedor de eletricidade, deveremos optar por um que tenha uma oferta renovável e que garanta que em termos dos seus investimentos, aposta exclusivamente em fontes renováveis e/ou limpas. No que toca às nossas poupanças e fundos de pensões, devemos procurar garantir que eles não estão investidos em empresa fósseis.

Podemos e devemos participar em movimentos cívicos, colaborar com ONGs e campanhas e movimentos políticos. É inevitável que este seja um problema político — afinal trata-se de uma questão transversal a toda a sociedade e que nos afeta a todos. Sendo um problema político, diferentes grupos e interesses da sociedade irão reagir de forma distinta. É importante que criemos um movimento abrangente onde caibam e se complementam diferentes formas de ação. É importante que nos envolvamos nestas questões e participemos nelas como agentes de mudança. Quem elegemos para nos representar é uma questão de cidadania elementar e uma ação importantíssima.

AR: Como sociedade e governo podem apoiar as empresas nesse período de transição?

PF: Normalmente eu considero que há 3 factores principais e inter-relacionados que são a força motora da transição. Elas são as políticas públicas, a tecnologia e os comportamentos. Todas são questões que implicam um envolvimento das sociedades, uma certa nova forma de estruturar a sociedade ou de esta se refletir.

Para mim é claro que as empresas não vão poder fazer esta transição de forma isolada, elas necessitam de ajuda. Parte dessa ajuda passa por um quadro legal que mande sinais claros sobre a direção futura. Por exemplo, do ponto de vista do quadro legal existe imensa coisa que os governos podem fazer: 1) desde logo retirar toda e qualquer forma de apoio, subsídio ou incentivo fiscal à exploração de energias fósseis; 2) a introdução de um preço de carbono no quadro legal, quer através de um imposto ou de sistema de cap and trade; 3) as moratórias relativas à continuação e permissão para exploração de combustíveis fósseis são também um sinal claro; 4) e muitas outras políticas públicas que visam diminuir a procura por este tipo de combustíveis, como por exemplo, ao nível da política energética o phase-out das centrais a carvão, moratórias na construção de nova capacidade instalada eléctrica com base em combustíveis fósseis, incentivo às renováveis, etc. Esse quadro legal ainda está a emergir em muitos países e a sua estabilidade é frágil, dada a atual situação política a nível mundial e a crise das democracias liberais. Veja-se o próprio acordo de Paris e o que aconteceu com os EUA. No meu entender, o momento político não podia ser pior — ele contém muitas ameças mas também daí derivam oportunidades. Daí também esta minha ênfase na importância do envolvimento dos cidadãos nas questões politicas.

Ao nível da tecnologia, os governos também desempenham um papel importante, principalmente ao nível da investigação de base, mas também relativas ao financiamento de tecnologias com potencial futuro, mas que necessitam de apoio com vista à redução do seu custos. Aqui há muitas, muitas questões, porque nem sempre é fácil saber quais as tecnologias que irão vingar ou não. É natural que haja erros e perdas e caminhos que não levam a lado nenhum. É também, cada vez mais necessário, definir quais os caminhos que não queremos percorrer — por exemplo, algumas formas de geoengenharia, como a ocultação ou ensombramento solar, que são por vezes consideradas como formas de combater as alterações climáticas e estender o prazo de validade do modelo de negócio das empresas extratoras de combustíveis fósseis.

Ao nível dos comportamentos as preferências dos consumidores são dinâmicas sociais que podem emergir com grande força e causar disrupção significativa no mundo dos negócios — mas estão também associadas a tendências e modas que podem por vezes ser superficiais e efémeras. Uma tendência é por exemplo a preferência por não utilizar carros, a preferência pela mobilidade eléctrica e ou a utilização de bicicletas e trotinetes/patinetes. Todas estas ações, quando somadas por milhões de pessoas à volta do globo, podem de facto causar um impacto, por exemplo por um decréscimo ou abrandamento da procura. Algumas destas mudanças podem levar a alterações legislativas ou serem incentivadas — ou impedidas — também por alterações legislativas. Portanto há aqui uma inter-relação permanente entre estes factores — o legal, o tecnológico e o comportamental.

AR: Com uma perspectiva no amanhã que queremos construir: como você imagina o fornecimento de energia no futuro?

PF: Eu aqui sou um bocado falho de imaginação, isto é, dependo e sou bastante influenciado pelos cenários que outros têm trabalhado e que são considerados como possíveis para esta transição. Há primeiro que tudo, uma contração da procura ou uma estabilização da procura ou pelo menos um abrandamento significativo do seu crescimento. O nosso planeta é finito, portanto, não podemos ter crescimento ad eternum da procura de energia. Esta é a energia mais limpa — a que não consumimos.

O segundo aspecto é que penso que a energia será maioritariamente eléctrica e seremos mais autônomos do ponto de vista de energia — isto é, existirá um número maior de pessoas a viver “off de grid” ou que pelo menos, não dependerão dela exclusivamente e com algum grau de autonomia. Certamente teremos muitos mais produtores-consumidores de energia, ligados ou não em rede. Teremos certamente uma muito melhor utilização e aproveitamento dos recursos endógenos — da geotermia, à biomassa, ao biogás, ao solar e eólico. Nas necessidade tanto de aquecimento como de arrefecimento, a geotermia será a opção. Curiosamente, e contraditoriamente, talvez haja uma muito maior interdependência recíproca entre países na partilha dos seus recursos endógenos com os vizinhos — por questões de resiliência e partilha de riscos, além de questões de mercado: assim, os extremos da Europa fornecerão energia à Europa Central; as vastidões da Manchuria ou da Mongólia alimentarão Pequim com energia renovável; etc. Não me é muito claro que implicações esta nova realidade terá do ponto de vista político/geo-estrategia, industrial, econômico — mas é mais que provável que tenha importantíssimas consequências a todos estes níveis.

AR: Como você avalia o papel de países em desenvolvimento nesse debate?

PF: A maior parte dos países em desenvolvimento têm tido um papel muito importante de liderança do ponto de vista de promover acordos que sejam mais ambiciosos — é público que as referências a um objectivo de aquecimento máximo de 1.5°C no acordo de Paris foi uma condição dos países de países em desenvolvimento. Isso é muito importante e é, na realidade, uma contribuição fundamental.

Mas para além desse papel muito relevante nas negociações os países em desenvolvimento podem desempenhar um outro papel quiçá ainda mais relevante: o demonstrar que um outro tipo de desenvolvimento humano é possível! Eu diria que há uma maior esperança de os países em desenvolvimento mostrarem ao mundo e realizarem a necessária utopia de um desenvolvimento humano inclusivo e em harmonia com a Natureza.

AR: O quão envolvidas estão empresas brasileiras nas emissões responsáveis pelo efeito estufa? (Petrobras)

PF: O Brasil é uma das 10 maiores economias mundiais e está também naturalmente entre os 10 maiores emissores de GEE do mundo — com cerca de 1.4 Gt de CO2 por ano — desses 0.5 estão relacionados com consumo de energia, 0.44 com agricultura e 0.3 com alteração uso do solo (desmatamento) — segundo os dados do ClimateWatch. Houve uma desaceleração muito forte do desmatamento, enquanto que o crescimento das emissões na energia e agricultura tem sido constante. O perfil de emissões Brasileiro mudou muito nos últimos 15 anos. A mim parece-me evidente que as empresas Brasileiras têm muito trabalho e grandes desafios pela frente. Contudo, o Brasil é uma país com recursos fantásticos e acredito também que o desafio de responder às Alterações Climáticas constitui uma fantástica oportunidade para a Economia e Empresas Brasileiras — muito mais que um risco. No entanto é preciso ter a sabedoria e a visão para adotar o posicionamento correto.

AR: Você gostaria de comentar sobre os efeitos do agronegócio?

PF: O agronegócio é fundamental. Se contarmos todas as emissões relacionadas com ele — consumos de energia, alteração uso do solo (desmatamento) mais emissões atividade agrícola é bem capaz de ser responsável por mais de 50% das emissões Brasileiras. A mim me preocupa principalmente o desmatamento — porque, se por qualquer razão se destruir a Mata Amazônica Brasileira, isso acarretará também a destruição do Brasil e o agronegócio vai por arrasto — é só uma questão de tempo. Preservar a Amazônia é fundamental, os povos indígenas que a defendem e nela habitam há milhares de anos, são importantíssimos e é importantíssima a sua defesa e dos seus direitos. Sem mata não haverá água e sem água não há agricultura.

AR: Como aumentar o debate no Brasil?

PF: Bem, não sei. Penso que a Ana Rosa já está a fazer a sua parte! Penso que a Igreja e os movimentos religiosos — que são no Brasil uma força social fortíssima — poderiam ser uma força motora importante. O Papa Francisco tem feitos esforços notáveis nesta área, mas não sei que efeitos ecos sensíveis têm no Brasil. Também não sei como se têm posicionado as Igrejas Evangélicas a este respeito. Infelizmente conheço insuficientemente o Brasil para responder de forma significativa a essa pergunta. Veja só que na minha visão estereotipada, seria algo relacionado com Futebol, Religião ou tele-novelas…. Mas sinceramente não sei.

AR: Você chamaria atenção dos brasileiros para algum ponto em especial, para atentarmos sobre mudanças climáticas?

PF: Eu chamaria a atenção para a Mata Amazônica e a necessidade da sua preservação. Não só como importante reguladora do clima, não só pela sua biodiversidade, não só pela sua enormíssima riqueza natural e cultural… também porque o ciclo da água de vastas regiões muito populosas do Brasil estão dependentes dela. Como referi há pouco, parece-me que a destruição da Amazónia é em si mesma, a destruição do Brasil. Eu não sou Brasileiro mas gosto muito do Brasil — da sua música, da sua literatura, das suas culturas — e tenho muitos amigos e conhecidos Brasileiros. A Amazônia é Brasileira, tem de ser gerida por Brasileiros, para os Brasileiros — e o que for feito terá consequências antes de tudo no Brasil. É essencial que os Brasileiros amem a Amazónia ainda mais que o futebol!

AR: Começamos a envolver nossos ouvintes ainda mais e abrir para perguntas antes das entrevistas, por meio de post nas nossas redes sociais, twitter e facebook e pelo nosso grupo do Telegram .

Phil e Werther, via Telegram:

  • Que argumentos podemos usar contra quem ainda não acredita no super aquecimento global?

PF: Não é fácil. Em certa medida não vale apena argumentar. Das suas uma: ou a pessoa está de má fé ou está equivocada/enganada. No caso da má fé você está apenas a perder tempo; nestes casos o melhor é ouvir, rebater o que for necessário com a evidência científica e em particular se estiverem outras pessoas a escutar; mas também quando uma pessoa está equivocada, raramente a pessoa muda de opinião na hora. Então o melhor é fazer umas perguntas, deixar umas pistas, umas referências e esperar que a pessoa depois faça o trabalho por si. Porque muitas dessas conversas não levam a lado nenhum a não ser a um extremar de posições. Confesso que eu algumas vezes limito-me a ouvir e sorrir…

  • Onde conseguimos dados atualizados sobre a temperatura global?

PF: Hum… É procurar no Google! Há uma página do NOAA — National Oceanic and Atmospheric Administration — que monitoriza e divulga os PPM de CO2 na atmosfera. Há depois uns sites e apps que tentam traduzir isso em termos de aumento de temperatura — com base em modelos creio, ver por ex. Co2.earth. Mas em geral se se quer fontes fiáveis o NOAA e a NASA são os sítios onde começar, por ex. da NASA.

Gabriel, via Twitter:

  • Você poderia falar sobre a crise da biodiversidade ligada a mudança climática?

PF: Esta é uma pergunta muito boa e muito atual. Estes dois aspectos — a biodiversidade e o clima — são duas das fronteiras essenciais do planeta, em particular para nós humanos. Penso que não existirá vida humana no planeta sem os níveis de biodiversidade que conhecemos. Se por um lado, as AC têm um impacte brutal ao nível da biodiversidade — veja-se no oceanos com a possível destruição de cadeias alimentares até há relativamente pouco tempo intactas com a questão da acidificação dos oceanos — por outro lado a perda de biodiversidade também pode ter um impacte no clima muito significativo — veja-se mais uma vez a questão da Amazônia. Penso que do ponto de vista cientifico esta é uma questão que carece aprofundamento — as relações entre os grandes sistemas e processos do planeta é uma área que ainda não percebemos inteiramente. O que sabemos é que muitas das coisas que temos que fazer para evitar as AC climáticas e ou para nos adaptar às AC são coisas que são boas também do ponto de vista da biodiversidade e conservação. Urge portanto faz-las e encontrar forma de que sejam bem remuneradas ou bem vistas do ponto de vista social ou — ambas as coisas!

  • Para quem é interessante o negacionismo climático?

PF: Ah, não interessa a ninguém a meu ver! Mas falando a sério, interessa a todo os que têm fortes interesses em sectores chave da economia que contribuem fortemente para as AC; interessa aos que apenas têm visões de curto prazo; aos que não se importam de arriscar a vida — sua e dos outros — para ter mais dinheiro… e por vezes reflete também simples ignorância ou pouca inteligência. falta-me certamente muita gente nesta minha resposta, mas no essencial é isto.

AR: Eu gosto de terminar as nossas conversas no Apenã pedindo uma frase ou pensamento que você queira deixar para os nossos ouvintes.

PF: Deixo uma frase do Nelson Mandela de que gosto muito “May your choices reflect your hopes,not your fears” que é qualquer coisa como: possam as nossas escolhas refletir a nossa esperança e não os nosso medos …

Fonte: Medium

Daiane Santana

Daiane Santana é a idealizadora do Portal VivoVerde, nasceu em Minaçu/GO e atualmente reside em Parauapebas-PA e há 15 anos escrevo neste site. Sou formada em Engenharia Ambiental, pela UFT – Universidade Federal do Tocantins, pós-graduada em Gestão de Recursos Hídricos e Engenharia de Segurança do Trabalho. Atuo como consultora, ministro treinamentos nas áreas de meio ambiente, segurança do trabalho quando dá tempo. Contato: portalvivoverde@gmail.com | Twitter - @VivoVerde | Instagram: @DaianeVV | 063999990294

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