Reforma tributária é uma das soluções ambientais para o Brasil pós-pandemia
Especialista propõe discussão do princípio poluidor pagador, já aplicado em países desenvolvidos para ampliar a tributação de empresas mais poluentes.
A retomada econômica pós-pandemia exigirá que se aprofundem as discussões de reformas estruturais no país, em particular a tributária. Rediscutir o sistema e avançar nas soluções é fundamental para dar segurança para todos os segmentos da sociedade. No caso da preservação do meio ambiente, um debate importante, de acordo com especialistas, é o princípio do poluidor pagador.
“Ainda não incorporamos esse princípio no Brasil, que já está sendo praxe nos países mais desenvolvidos, onde se tributa mais pesadamente empresas que mais poluem”, explica o membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), Carlos Eduardo Young. “É fundamental que tenhamos, neste momento de crise, a disposição de rediscutir o sistema, e isso passa pela questão tributária”, ressalta.
Em 2019, o Produto Interno Bruto (PIB) do mundo foi estimado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em torno de US$ 87 trilhões, o equivalente a cerca de R$ 468 trilhões. A retração econômica global como consequência da pandemia do novo coronavírus deve oscilar entre -3% (FMI) e -9% (OMC – Organização Mundial do Comércio). Isso seria equivalente a uma perda entre R$ 14 e R$ 41 trilhões. É como se, de repente, desaparecesse de dois a seis anos de toda atividade econômica.
Por isso, os especialistas consideram importante evitar que os países caiam na tentação de, sob a justificativa de reativar a economia e gerar empregos, afrouxar legislações ambientais e dar incentivos a setores que causam danos à natureza – justamente a razão que permitiu o surgimento do coronavírus.
Young é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenador do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da instituição. De acordo com ele, a ideia do poluidor pagador, mais do que incentivar atividades economicamente interessantes, socialmente inclusivas e ambientalmente adequadas, é reprimir as atividades negativas. “Não adianta imaginar que apenas instrumentos monetários, concessão de crédito, injeção de dinheiro, vai resolver o problema. É preciso ter gasto, mas não qualquer gasto”, avalia.
Ele cita como exemplo o crédito rural, em que existem linhas específicas para ações sustentáveis, mas cujos incentivos são muitos semelhantes aos concedidos às atividades predatórias, que acabam fomentando o processo de desmatamento – a maior causa de emissão de gases do efeito estufa no Brasil.
“Não adianta mais vir com o discurso da fome. Ninguém vai resolver a fome no Brasil aumentando a produção agrícola. O País produz hoje 3,1 quilos de grãos por habitante. Se tem fome, é por má distribuição. Então, temos que mudar o foco de economia baseada em um modelo predatório, ainda do século 19, e levá-la para o século 21.”
Além de incorporar a sustentabilidade na reforma tributária, Young defende, na área de energia, os incentivos às fontes renováveis e à eficiência energética. “Até a América Latina reduziu a quantidade de energia embutida por unidade de valor produzido. No Brasil, é o contrário. Estamos cada vez mais especializados em produtos intensivos de energia”.
O engenheiro florestal André Ferretti reforça que é preciso investir também em setores como energia, transporte e turismo. “Esse é um momento interessante para a implementação de políticas públicas que incentivem setores mais sustentáveis. No turismo, por exemplo, é possível estimular os destinos domésticos, em especial em ambientes naturais, com iniciativas estruturadas que conectem a preservação da natureza com atividades socioeconômicas que permitam geração de emprego e renda para as pequenas comunidades locais”, avalia Ferretti, que é gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.