O dramático efeito das alterações climáticas sobre as espécies e os impactos mais severos no futuro
Depois de alguns períodos geológicos, como o Triássico e o Jurássico, Paul Crutzen, Prêmio Nobel de Química, em 1995, denominou a era atual do planeta como Antropoceno. Este é “o período da humanidade” devido à dominância da superpopulação humana e os impactos da exploração do planeta na vida da Terra. Embora haja pessoas que deslegitimam essas mudanças, as alterações são autênticas e preocupantes. O perigo da escassez de água em algumas regiões correspondente ao desequilíbrio hídrico provocado pelas ações antrópicas, o contato de animais selvagens em meios urbanos cada vez mais recorrente devido à fragmentação de hábitat e a relação de casos de febre amarela em Minas Gerais com o “crime de Mariana” no Rio Doce são exemplos diretos desses impactos. Assim como o declínio populacional das Araras Azuis (Anodorhynchus hyacinthinus) no Pantanal devido à perda de sítios de reprodução já discutido por nós aqui: Como a ciência salvou uma espécie da extinção: o Projeto Arara Azul no Pantanal.
Um dos impactos atuais mais proeminentes e perigosos para a vida na Terra são as mudanças climáticas causadas, principalmente, pela degradação do meio ambiente e o aumento da emissão dos GEE (Gases do Efeito Estufa), composto majoritariamente por gás carbônico (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O). O aumento da temperatura do planeta, o derretimento dos gelos polares e o consequente aumento do nível do mar são os efeitos mais visíveis relacionados a essas modificações. Porém, sabe-se que o resultado dessas alterações na distribuição e na ecologia das espécies (onde elas ocorrem e as funções delas no ecossistema) são enormes, inclusive levando várias ao processo de extinção. Além disso, cientistas já conseguem prever que no futuro este quadro tende a ser bem mais severo.
Muitos trabalhos científicos vêm sendo publicados quantificando como as mudanças climáticas irão afetar a distribuição das espécies no futuro. Esse é o tema da minha tese de doutorado, no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, e também no ECOSPAT – Spatial Ecology Group, na Universidade de Lausane, na Suíça, com o título: As mudanças climáticas irão mudar a diversidade de espécies de anfíbios no Pantanal e a avaliação da eficiência das Áreas de Proteção diante deste cenário. Descobri que muitas espécies irão desaparecer do Pantanal e nos planaltos ao redor, inclusive três dessas espécies serão extintas. Duas destas, Allobates brunneus e Ameerega braccata (espécies na foto abaixo), ocorrem apenas na Chapada dos Guimarães, no estado do Mato Grosso, e no futuro perderão seus ambientes propícios para a reprodução e estabelecimento da espécie. Ou seja, não existirá um local ideal para essas espécies e elas provavelmente irão desaparecer. Embora em menor número, outras espécies que hoje não são encontradas no Pantanal irão chegar. A substituição de espécies (o que chamamos de turnover) na comunidade de anfíbios será de até 100% em algumas áreas; ou seja, todas as espécies daquela região irão ser substituídas por outras que, até então, não são encontradas no local. Esse é um quadro preocupante para o equilíbrio ambiental da região do Pantanal.
Infelizmente, este alarmante cenário também é esperado não apenas para o Pantanal, mas para toda a vida no planeta Terra, seja em ambiente terrestre ou aquático. Um artigo publicado este ano por cientistas da FishMIP (intitulado “Global ensemble projections reveal trophic amplification of ocean biomass declines with climate change”) estimam que cerca de 17% da vida aquática irá se extinguir até 2100 se continuarmos com grandes quantidades de emissão de gases na atmosfera. Caso corrijamos este desastre, essa taxa pode cair para 5% em cenários com menores emissões. Inacreditavelmente, esses dados, assim como os gerados pelo meu doutorado para os anfíbios do Pantanal, levam em consideração apenas os impactos causados pelas alterações climáticas. Isso quer dizer que, se considerarmos fatores secundários, como pesca e caça predatórias, perda de hábitat e crimes ambientais, os resultados serão mais dramáticos.
Hoje, já contamos com mais de 1 milhão de espécies em risco de extinção no mundo e medidas emergenciais precisam ser tomadas para que consigamos contornar minimamente este quadro, pois cada vez mais será irreversível. Somente uma transformação abrangente no sistema econômico global poderia devolver, após muitos anos de pesquisa e monitoramento, a saúde dos nossos ecossistemas. Outra mudança de que precisamos é o aprimoramento do poder público em levar os estudos científicos em consideração nas tomadas de decisão conservacionista. Por exemplo, em minha pesquisa, detectei algumas regiões que servirão de abrigo para alguns anfíbios no futuro e necessitam de uma maior preservação já que algumas não possuem nenhum tipo de proteção. Por sua vez, uma forma de contribuirmos, porém, infelizmente, sem muitos efeitos diretos na minimização do problema, é a conscientização da sociedade sobre as questões ambientais. Se informar, passar essas informações para frente (principalmente para as crianças – futuras gerações) e se revoltar, é sim um modo de fazermos algo pela vida saudável do nosso planeta. Se tivermos uma sociedade consciente, podemos construir um país e um mundo melhor, não apenas para o ser humano, mas para todos os habitantes da Terra.
Allobates brunneus e Ameerega braccata, espécies endêmicas dos planaltos de entorno do Pantanal que serão extintas até o final do século devido aos impactos causados pelas mudanças climáticas segundo previsões de cientistas. Fotos: José M. Padial e Mauro T. Junior
Matéria e foto publicada pela National Geographic: Jovens em greve contra as mudanças climáticas: “Estamos lutando pelas nossas vidas” por Alejandra Borunda