Como a ciência salvou uma espécie da extinção: o Projeto Arara Azul no Pantanal

Filhote de arara azul dentro de um ninho natural em uma árvore de manduvi . Foto: Matheus Neves

Hoje, um dos principais desafios da ciência no Brasil é a ligação entre a comunidade científica (o meio acadêmico ou academia), a sociedade como um todo e a aplicação direta das pesquisas na tomada de decisão para a conservação das espécies. Segundo o Fórum Econômico Mundial, a população brasileira está entre as que menos entende sobre ciência e este é um grave quadro quando toca de frente à importância da ciência no desenvolvimento do país.

Devido à falta de um plano nacional que conecte o meio acadêmico a esses demais setores e maiores incentivos do poder público para aplicações conservacionistas e de educação ambiental pelos acadêmicos, muitos cientistas têm arregaçado as mangas e realizado, por iniciativa própria, projetos de extensão direcionados à sociedade e ao meio ambiente. Este é o caso da cientista Dra. Neiva Guedes e o Projeto Arara Azul, na região do Pantanal da Nhecolândia, no estado do Mato Grosso do Sul, que depois de anos de estudos e ações conseguiu retirar a Arara Azul (Anodorhynchus hyacinthinus) da lista brasileira de animais em extinção e transformou a espécie em símbolo de conservação perante a sociedade.

Neiva Guedes teve seu primeiro encontro com as araras azuis durante um curso de Conservação da Natureza na região do Pantanal da Nhecolância, em 1989. As informações que recebeu sobre a espécie foram o triste declínio populacional que elas estavam sofrendo e a convivência com o risco de extinção. Este perigo se agrava, pois estudos sobre a espécie eram escassos, principalmente sobre sua história de vida e reprodução. Daí surgiu o objetivo de ajudar a espécie a se reestabelecer no ambiente natural. Após formada, Neiva entrou para o mestrado na ESALQ/USP e sua pesquisa visava entender os comportamentos reprodutivos da Arara Azul.

Pesquisadores do Projeto Arara Azul fazendo acompanhamento de um dos ninhos cadastrados. Verificando peso, medidas e a saúde do animal. Foto: Matheus Neves

Um fato interessante que descobriu durante suas pesquisas foi a relação de dependência da espécie com o Manduvi (Sterculia apetala), árvore de grande porte com distribuição tropical comum no Pantanal. Segundo seus estudos, 94% dos ninhos das araras azuis eram construídos em buracos ocos naturais nestas árvores (muitas vezes causados por quedas de galhos). Porém, isso ocorre apenas em idade adultas, ou seja, o tempo para as árvores chegarem neste estágio é longo. Com a degradação e desmatamento, o número de manduvis utilizáveis pelas araras diminuíram muito nos últimos anos e a espécie não estava conseguindo se reproduzir com velocidade suficiente para aguentarem os impactos ambientais gerados. Isso foi uma grande descoberta para pensar nos próximos passos e qual o caminho seguir para conseguir recuperar as populações da Arara Azul no Pantanal.

Após defender o seu mestrado, Neiva continuou por conta própria a cadastrar os ninhos e o estudo da reprodução da espécie. Começou também uma pesquisa com manejo dos ovos, dos filhotes, moldes e testando ninhos artificiais na tentativa de descobrir uma solução para o problema da perda de sítios para reprodução. Depois de alguns anos de estudo, Neiva conseguiu a reprodução de um casal de Arara Azul em seus ninhos artificiais. Sucesso!!!

Casal de arara azul cuidando do seu ninho artificial. Foto: Matheus Neves

Paralelamente a isso, a pesquisadora também concorreu a editais e correu atrás de suporte para financiar os gastos da pesquisa e prosperar o Projeto Arara Azul. No início, Neiva contava mais com a ajuda de familiares, amigos e simpatizantes da conservação. Ao longo dos anos, conseguiu recursos de fontes de financiamento à pesquisa, como o Grupo Boticário, FUNDECT, Toyota do Brasil, WWF, entre muitos outros. Com este apoio, o Projeto Arara Azul começou a espalhar ninhos artificiais pelas fazendas do Pantanal e acompanhar diariamente o comportamento do casal, o desenvolvimento dos filhotes e o sucesso reprodutivo da espécie.

Hoje somam mais de 604 ninhos cadastrados, entre naturais e artificiais, distribuídos em 57 fazendas em 5 sub-regiões do Pantanal. E não são somente as Araras Azuis a usufruir do Projeto. Além delas, outras espécies de aves como as Araras Vermelhas (Ara chloropterus) e Tucanos (Ramphastos toco) também utilizam os ninhos e são monitorados pelos pesquisadores.

Filhote quase pronto pra voar espiando os pesquisadores do Projeto de dentro de um ninho artificial. Foto: Matheus Neves

Depois de 24 anos de dedicação, de muitos estudos e ações, em 2014 a Arara Azul foi retirada da Lista de Espécies Ameaçadas de Extinção do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. O aumento populacional também é confirmado visualmente pelos moradores e pesquisadores do Pantanal. Já tive o privilégio de ver dezenas voando juntas, gritando pela planície pantaneira. Mas a manutenção das pesquisas desenvolvidas pelo projeto continua importante para que esses índices não regridem. A batalha do Projeto Arara Azul está longe do fim.

O objetivo central ainda é manter as populações de araras viáveis e promover a conservação do meio ambiente. Neiva continua atuando firmemente na educação ambiental e divulgação científica. O Projeto Arara Azul, hoje pertencente ao Instituto Arara Azul, também criado pela Dra. Neiva Guedes, sempre tem promovido palestras, stands, eventos para mostrar à população a importância desses estudos e da conservação da natureza. Além disso, os integrantes do projeto recebem turistas do mundo todo para acompanhar as pesquisas em campo e ter essa experiência incrível. A Arara Azul se tornou símbolo da conservação e o projeto quer levar isso para a população. Fazer essa conexão entre o meio acadêmico, a sociedade e a conservação não é tarefa fácil, diga a Neiva, mas a recompensa deve ser impagável.

Nota:  Neiva Guedes é bióloga, mestre em Ciências Florestais e doutora em Zoologia pela UNESP/Botucatu. É criadora do Projeto Arara Azul e presidente do Instituto Arara Azul. Ganhou diversos prêmios em reconhecimento aos seus feitos pela conservação da Arara Azul incluindo o Golden Ark 2004 concedido por Sua Alteza Real Príncipe Bernhard da Holanda. Nasceu e executou seus estudos no Pantanal sul mato grossense e em Campo Grande, onde hoje se encontra a sede física para visitação do Instituto Arara Azul. A base de estudos de campo do Instituto é no Refúgio Ecológico Caiman, no Pantanal de Miranda. Para mais informações sobre o Instituto, acesse: http://www.institutoararaazul.org.br/

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