Quem nasce em Palmas é o que? Gente!

Foto: Rafael Oliveira – @rafaeloliveira.fotografias

É o setembro clássico tocantinense, seco, queimadas sem fim, fumaça nos pulmões e em uma semana com a temperatura média de 41 graus fomos agraciados com algo além. Algo além do que poderíamos pedir ou esperar. Agradecer é, minimamente, uma palavra de ordem.

Ao Sesc TO, representado pela importante e imprescindível Veridiana Barreto, faço das palavras da Maria Bethânia minhas:

“Agradecer as marés altas
E também aquelas que levam para outros costados todos os males.
Agradecer a tudo que canta no ar,
Dentro do mato sobre o mar,
As vozes que soam de cordas tênues e partem cristais.
Agradecer os senhores que acolhem e aplaudem esse milagre.
Agradecer,
Ter o que agradecer.
Louvar e abraçar!”

O que seria de nós, meros mortais, sem o Sesc? E a gente merece cultura viu? Porque quem nasce em Palmas é o que? Gente!!!

Aldeia Jiquitaia é muito Bacurau, Larissa Luz é muito Aldeia Jiquitaia, Bacurau é muito Larissa Luz.

E o que é mesmo que isso tudo tem a ver um com o outro? Larissa te diz:

“Uma onça braba com olhar já me dizia
Eu hoje estou arredia!
Ansiedade
É tanto assunto
Uma agonia, mas podemos conversar
Eu sou sua mente
Prazer! Me olhe de frente!”

Olhe de frente, que o norte e nordeste mostram sua força! Há cultura em todo canto, há beleza e qualidade sendo produzido a todo momento.

Olhe de frente, preste atenção, há muito sendo dito em uma época em que é preciso se posicionar.

E Bacurau é uma cidade sumida do mapa, realidade de tantas cidades reais. Sujeita às ações dos representantes do poder público, usada como safari, aonde quem vem de fora acha que todo mundo é puro, simples e besta. Mas aqui não meu bem, aqui vc não vai se fazer em cima da gente.

A gente sabe o que quer, a gente tem nossa produção, vemos e percebemos o que estão nos querendo fazer engolir. Aqui é Lunga mermão!

“Procuram-se bonecas pretas
Procura-se representação!”

E aqui há lugar de fala, com vocês Thuanny:

“Porran, porquê eu perdi a primeira música da iluminada e divosa Larissa Luz. Me recordo, estava protelando o processo de encarar um calor do caralho às 23h da noite e sair do conforto da minha casa com ar-condicionado. Ok, ok, muito coxinha isso. Mas só quem vive em Palmas, sabe o quanto é difícil sair de um lugar onde tenha o mais desejado dos eletroeletrônicos neste período do ano.

Cheguei e já do estacionamento,  – putz que som massa!, falo da qualidade técnica do som. Cheguei e me deparo com ela em uma indumentária reluzente, justa ao corpo, manga longa, e acreditem, com LUVAS, em Palmas. Minha visão se resumiu, tem que ser muito foda para fazer isso. Cheguei e os meus sentidos tatoriais (me perdoem o neologismo), me dominaram pelo som dos tambores, dos amplificadores e pela voz de Larissa Luz invadindo a minha alma.

Meu corpo se abriu, se conectou com os abraços afetuosos recebidos ali por pessoas que estavam inebriados como eu estava. Pertenci à terra, me rendi ao encanto da deusa, à Iansã, me ceguei com a Luz de Larissa e me achei em mim. Achei a boneca preta em mim. Que por vezes se bloqueia, se abafa, se branqueia para ter o seu lugar à vitrine. Mas, eu, boneca preta me achei em uma identificação transformadora, em Larissa Luz.

Transmutei!

‘Querida, é meu espelho consciente
Minha fonte referente a tudo que sou
o seu feminino brotou
Mama me deu poesia
Suprimiu qualquer agonia
Metaforizou com mestria
Pra que eu sempre soubesse escolher
Pra onde vou’ (Mama Chama)

No meio de tudo encontrei o meu herói Lunga (sim, tinha um cabra igual a ele lá!), que me remeteu a outra experiência arrebatadora. Bacurau. E ao conectar tudo, só constatei mais uma fez que a arte transforma, ressuscita e nos leva pra frente. Aparelhos culturais são os motores de uma sociedade em estado de falência. Obrigada Sesc!

Se você não conhece Larissa Luz, junte Ivete Sangalo, Anitta e a maravilhosa Elza Soares (sem comparações), é só pra você ter uma noção da experiência que pode ter ao ver um show dela. É axé, manguebeat, suingueira, funk, mpb e muito poder.

Desculpe o enredo pessoal, mas é que não vi como me isentar das minhas sensações. Sou jornalista, mas antes disso tudo, sou mulher, preta e na busca diária de representatividade. Larissa Luz, me representa.”

Larissa é Luz que desceu nos palcos de Palmas. O palco a meia altura nos deu a sensação de proximidade, que com o olhar penetrante, voz forte e sorriso ganhou o público rapidamente.

A música é cheia de significações, símbolos e poética, que junto com uma música presente e envolvente deixou o público em êxtase e em transe, movidos por uma só energia.

Aparentemente Caetano Veloso previu a chegada de Larissa no mundo já em 1975 quando escreveu:

“A tua presença
Entra pelos sete buracos da minha cabeça
A tua presença
Pelos olhos, boca, narinas e orelhas
A tua presença
Paralisa meu momento em que tudo começa
A tua presença
Desintegra e atualiza a minha presença
A tua presença
Envolve meu tronco, meus braços e minhas pernas
A tua presença

A tua presença
Se espalha no campo derrubando as cercas
A tua presença
É tudo que se come, tudo que se rezaA tua presença

A tua presença é a coisa mais bonita em toda a natureza
A tua presença”
Se saiu desses show sem sentir nada, tem algo de errado contigo! Poderíamos conversar sobre tanta coisa que nem caberia aqui.

Em resumo:
Vc não viu Bacurau? Vá assistir Larissa Luz! Não ouviu/assistiu Larissa Luz? Vá assistir Bacurau! Na dúvida? Vá ao Sesc.

Texto: Gabriel Deeaz e Thuanny Vieira

Gabriel Deeaz

Gabriel Deeaz é estudante de teatro na UFT, nos últimos 12 anos atua como produtor cultural e como tal passeia por diversas áreas: desde apresentador de programas de rádio à bartender. De motorista a servidor público como produtor/analista. Contato: E-mail - cultura@vivoverde.com.br | Twitter - @Gabriel_Deeaz

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